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domingo, 3 de dezembro de 2023

Ser Guerreiro, por Nuvem que Passa.

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Paralelo a este tema quero abordar a questão de "ser guerreiro(a)" que algumas pessoas em privado me escreveram questionando. Cada um desses temas daria um tratado, mas vamos ousar abordá-los juntos, mesmo sabendo que palavras são sempre limitadas e expressam muito pouco do que queremos realmente expor.

Nascemos numa determinada condição. Temos uma família, amigos e amigas que vão se agregando com o passar dos anos, relacionamentos, por vezes, constituímos família e vêm os filhos e filhas e, de repente, nos descobrimos já enredados em toda uma história de vida, composta por nossos atos, por nossas vivências. Temos nosso trabalho, nossa vida social, nossas buscas... Na maior parte das vezes não notamos isto acontecer, somos levados pelas situações de vida, uma após a outra e, de repente, descobrimos que somos "o que fizeram de nós". O primeiro e mais difícil passo na trilha dos(as) guerreiros(as) é lidar com o "que fizeram de nós".

É muito difícil isso, mesmo quando pregamos que devemos mudar e tal e tal estamos usando toda uma sintaxe e modo de agir e um portar-se completamente escravizado ao que "fizeram de nós".

Passamos a vida repetindo as mesmas histórias, as mesmas rotinas, as mesmas frases, costumo dizer que a maioria das pessoas só apresenta novidade nas duas primeiras horas que a gente conhece, depois é uma enfadonha variação sobre o mesmo tema, muitas vezes nem tão ampla assim, apenas o repetir e o repetir dos mesmos diálogos, dos mesmos medos, das mesmas carências, dos mesmos conceitos prontos.

Este é o primeiro ponto que o caminho dos(as) guerreiros(as) toca, somos criaturas de inventário. Vivendo construímos uma vida, relacionamentos, geramos uma imagem que as pessoas se fiam, a ponto de poderem mesmo prever como vamos reagir numa situação. E gostamos disso. Dizemos: "Sou assim", ou ainda "é meu jeito", "sou desse jeito", "me conheço".

Quando nos dedicamos a uma sincera e profunda observação de nós mesmos vamos descobrir que o pretenso "eu" inexiste enquanto tal, isto é enquanto entidade singular, somos é aglomerado, uma aglomerado de sentimentos, de jeitos de reagir, de emocionar e raciocinar que de manhã quer uma coisa, de tarde outra e a noite outra.

Isto não é um tema para "crer" é algo para se observar e constatar. Muitos caminhos propõe vários exercícios de auto-observação para que possamos constatar o fato dessa multidão disfarçada de "eu" que somos, assim como a inexistência, até que trabalhemos para, de um ente singular e consciente em nós.

Vou sugerir um exercício simples, nos próximos sete dias tente se lembrar de acordar cada dia colocando primeiro um pé no chão, isto é, se amanhã ao acordar colocar o pé esquerdo, lembre-se de depois de amanhã colocar o pé direito e assim variando.

Há duas formas de abordar o caminho dos(as) guerreiros(as). Podemos usar as informações dele oriundas para melhorar nossas vidas, como podemos usar as informações médicas para viver com mais saúde. Mas isso não nos faz guerreiro(as) ou médicos(as), nos faz pessoas mais espertas que a média, que usam de conhecimentos mais especializados para viver com mais qualidade.

Ótimo isso, usamos Tensegridade, usamos alguns conceitos do caminho que realmente tiram as bobeiras de nossa vida e nos tornam mais fortes e determinados no mundo, menos bobos e menos mimados.

Agora, pretender SER um(a) guerreiro(a) é outra coisa, outro departamento e não é para espíritos fracos, indecisos, que querem apenas melhorar sua "condição de vida", mas não têm as "vísceras de aço" e o "amor à vida" que os videntes veem como condição básica para a ousadia de enfrentar a imensidão que nos envolve.

Por isso é importante deixar claro que existem muitos caminhos de Xamanismo, caminhos que exigem muito menos que o Xamanismo Guerreiro.

Não são caminhos "menores", "menos evoluídos", "mais fracos", não, nada dessas bobeiras comparativas, apenas são outros caminhos e tem todo seu valor, devem ser respeitados, tem suas metas, mas não devemos confundir o XAMANISMO GUERREIRO com toda sua exigência de disciplina e dedicação com outros caminhos.

Por isso considero bastante engraçado quando as pessoas ficam questionando a Taisha, a Florinda com suas colocações diretas e incômodas, o que elas falam não é para todos(as), as propostas que Taisha e Florinda, assim como CC, apresentam em seus livros iniciais, quando narram suas próprias trilhas iniciáticas, não são "verdades", são caminhos, são questões práticas que todo praticante efetivo encontra em seu caminho. Digo isso com a convicção de quem encontrou os mesmos questionamentos e experiências em outros caminhos, bem antes de ter acesso a obra do novo nagual.

O primeiro passo para quem pretende iniciar-se na árdua trilha do(a) guerreiro(a) é saber que a vida comum ficou para trás. Não adianta querer ser mais ou menos, querer ficar com um pé em cada canoa, ou tu passas a dimensão mítica do(a) guerreiro(a) que é um estado de sonho acordado, um mito que foi gerado alhures, na imensidão desconhecida do espaço-tempo e chega até nós ou é melhor assumir que queremos apenas tirar dicas desses conhecimentos para melhor viver, como alguém que lê obras médicas para se informar sobre um viver saudável, mas não quer ter o trabalho de se formar médico(a). Tu podes saber muito de medicina e isso te ajudar bastante em tua vida, mas isso não te expõe a ter que sair de madrugada para atender alguém.

Um(a) xamã guerreiro(a), por exemplo, tem que apagar a própria vida e a própria rotina, por exemplo, para poder entrar e sair dos mundos vários que visita sem chamar a atenção.

Alguém que tem filhos, família, meio social, vida profissional rígida e exigente crê que pode fazer isso?

Não há como conciliar a medíocre vida "comum" e a avassaladora proposta do caminho do (a) guerreiro(a) Tolteca.

E o paradoxal é que o começo do caminho passa pela resolução do aqui e agora onde estamos, da vida cotidiana que vivemos, mas não se limita nela.

A vida comum pode ser usada como campo de treino e combate, como campo de desenvolvimento, mas isto já significa uma mudança imensa de nossa relação com a vida e com as pessoas do mundo que nos cercam.

Um homem ou mulher que começa a trilhar o CAMINHO vai notar que sua vida "comum" ficou prá trás e cada vez mais é distante qualquer coisa que nela estava.

Por isso é dito que a morte é o passaporte para o estado de guerreiro(a) e não é nada simbólica essa morte, é real, total, completa, o velho ser, que nasce para servir a desígnios vários que não o seu, tem mesmo que morrer, para que haja o renascimento completo e surja o novo ser.

Aprender a agir pelo prazer de agir é um dos pontos fundamentais nessa mudança. É muito mais difícil que parece, eu convivo com pessoas que dizem a todo instante que aprenderam isso, mas basta observar o vocabulário que usam para notar que interiormente ainda estão em busca de aprovação, de recompensas, por mais "espirituais" que pintem essas recompensas.

Raramente entendemos quando o INTENTO nos envia alguém como seu elo, ficamos presos a nosso eu mesquinho, desconfiado e nem percebemos a imensa sorte que temos.

Uma das maldições dos seres humanos é essa, só perceberem as coisas depois que elas já não estão mais ao seu alcance.

Não ter história pessoal é uma conquista que precisa ser cuidadosamente trabalhada, mal direcionada pode levar a uma esquizofrenia completa, onde a pessoa não sabe para onde vai nem onde fica, o popular "onkotô", "pronkovô", " kenkosô".

Tem gente que não combina com a família, com o meio onde vive e quer usar de desculpas místicas para "fugir" desses desafios.

Isto é totalmente contrário à idéia do CAMINHO, que pretende mesmo usar os pequenos tiranos de nossa vida para a manobra sofisticada de tirar nosso ponto de aglutinação da posição auto-reflexiva da importância pessoal e levá-lo ao ponto da implacabilidade.

E o CAMINHO não é de confusão, nem de atrapalhações, muito menos de fuga, neste sentido de perder o equilíbrio existencial, justamente o contrário, só um profundo estabelecer de um equilíbrio existencial pode nos colocar em sintonia com as energias mais amplas que nos abrem portas para mundos outros que não esse.

Assim, quando falo que a vida "comum" não combina com o Caminho, paradoxalmente também digo que só resolvendo e atravessando a vida comum poderemos "entrar no caminho", pois nosso desafio é o mundo onde estamos, os maiores obstáculos estão na vida cotidiana e só quando eles forem vencidos poderemos ter certeza que estamos prontos a nos aventurar na vastidão.

Pois este tem sido o desafio, nós que nada somos, suportarmos, sem sermos destruídos, enfrentarmos a absoluta solidão da ETERNIDADE.

Sonhar não é fantasiar.

Sonhar é transformar o sonho em um local efetivo e pragmático de ação.

Sonhar tem poder porque podemos morrer nele, isto é uma frase fantástica para ser meditada.

Para um(a) xamã guerreiro(a) o sonhar é seu campo de ação e trabalho, tanto quanto o mundo cotidiano é seu campo de ação e trabalho.

Assim, tem valor, os momentos que estamos autoconscientes, tudo mais é fantasia e escapismo, quer neste mundo, quer em outros, com o agravante que o mundo dos sonhos pode nos iludir muito mais com imagens e vivências cheias de fantasias nas quais as pessoas adoram chafurdar.

Quando começam a me contar sonhos rocambolescos pergunto apenas: estavas aguda e totalmente consciente de si?

Se sim, o valor tá só nisso, se não nem esse valor tem.

Espreita não é fingimento.

Repito isso muito porque canso de ver pessoas que representam papéis apenas para "acariciar" seus egos já enormes e chamam isso de espreita. Fico ouvindo termos como "vou dar uma espreitada em fulano", "espreitei isso e aquilo" e não noto nem um nanomilésimo de deslocamento do ponto de aglutinação, então onde a espreita?

Pois a espreita é o deslocamento e conseqüente nova fixação do ponto.

Espreita é um movimento ordenado e a conseqüente fixação do ponto de aglutinação em outra posição que não a usual, você nasce de novo, é um novo ser.

Muda teu jeito, teus hábitos, teu linguajar, tua história, tudo e de tal forma isso ocorre que tudo que acontece na tua vida focaliza ainda mais o que está sendo espreitado, pois a espreita para um(a) guerreiro(a) do Abstrato, que não tem propósitos ulteriores, que age pelo prazer de agir e é apenas reflexo do espírito é guiada pelo próprio INTENTO, cabendo-nos apenas fluir com as diretrizes, os sinais que o INTENTO claramente coloca em nossas vidas.

Um(a) guerreiro(a) do Abstrato, do INTENTO, não fica escolhendo, vou espreitar isso agora, aquilo depois, apenas sente os sinais e vai, vai e vai e então as coisas acontecem e os sinais lhe mostram como agir e reagir e quando chega o momento encerra o seu papel e desaparece de cena, apenas isso.

Por isso mesmo se tudo que foi armado numa situação não der certo, mesmo que as pessoas envolvidas numa complexa espreita falhem miseravelmente, optando por ceder a seus medos, voltando a sua forma antiga de agir e perdendo (temporariamente que seja) tudo que foi trabalhado, um(a) espreitador(a) em nada se apoquenta, pois desde o começo não esperava nada mesmo, apenas vai rir (se este for seu estilo) e se recolher em si mesmo, aguardando o próximo desígnio do INTENTO, que nos enviará a outras plagas, para novas aventuras.

Desejar o PODER, pretender trilhar o CAMINHO é algo muito, muito sério, porque é avassalador.

É uma pretensão sem volta, quando pretendemos, sinceramente, ir ao CAMINHO, o CAMINHO vem até nós também, o mesmo tanto que lutamos pelo CAMINHO o CAMINHO luta por nós.

Ser um(a) guerreiro(a) não é uma decisão que tomamos, é algo que é decidido lá fora, nesta imensidão incomensurável da qual somos parte ínfima e insignificante.

Um(a) guerreiro(a) não se aventura no desconhecido por cobiça, isto seria tolice, a cobiça não funciona nesta vastidão.

D. Juan Matus dizia que só por AMOR, amor ao que intriga, ao mistério, a vida, isto é que motiva um (a) guerreiro (a) a esta tremenda aventura. O pragmatismo de um (a) guerreiro (a) vem da constatação de que o pior que podia acontecer é morrer e isto é a única certeza que temos, daí que nós que já perderam tudo, o que mais temeríamos perder?

Um(a) guerreiro(a) nada tem, para nada ter a perder, assim sem apegos pode se lançar livre e voluntariosamente ao desconhecido, as vastidões da ETERNIDADE e suportar mesmo o frio olhar da INFINITUDE.

Um(a) guerreiro(a) sabe que a parte humana da TOTALIDADE é pequena demais, assim não há como "pedir", "rezar", "barganhar" com esta TOTALIDADE, como fazem as religiões, assim tudo que temos é nosso poder pessoal, nem mais nem menos.

Um(a) guerreiro(a) sabe que é efêmero, nada mesmo, que só tem este tempo mágico sobre a Terra e vai viver tempo de menos para presenciar todas as maravilhas possíveis, assim isto é uma pena, mas só isso, uma pena e ser um(a) guerreiro(a) é justamente usar esta constatação não para autocomiseração ou autopiedade, mas para tornar mais forte seu propósito de trilhar com sabedoria e desapego o caminho da vida, regalando-se com cada detalhe, com cada momento.

Que prazer inenarrável há em assim viver, fazer de cada instante o único, cada tecla aqui tocada momento único e final dessa aventura chamada vida.

Assim não há espaço na vida de um (a) guerreiro (a) para estados de espíritos imbecis, limitantes, depressivos ou algo assim, isto tudo é pura frescura, pura bobagem que só cabe em quem se acha eterno e imortal.

Quem sabe que a morte está sempre caçando, que nada nos garante o próximo instante, quem disso está ciente nunca vai se entregar a tais estados de espírito, vai lutar bravamente para ter sempre o melhor de si presente.

Se tiver fome, dá um jeito, se estiver triste dá um jeito, se se machucar, dá um jeito, pois a imensidão de nossa sorte, em sabermos da trilha dos(as) guerreiros(as) não pode ser nunca deixada de lado.

Entregar-se a qualquer estado de espírito debilitante é ofensivo ao ser total, é tolice rematada e um(a) guerreiro(a) está sempre em guarda com isso, mesmo sabendo que pode as vezes falhar e cair nesta armadilha ainda assim não se preocupa, ri, ri de si mesmo(a) e segue em frente.

Um(a) guerreiro(a) não se prende a nada, nem a ninguém, quando está num lugar todos a sua volta dizem que vai ficar ali para sempre tal a dedicação e seriedade com que se envolve com tudo e todos.

Traça planos, age como se tivesse encontrado seu lugar definitivo, mas interiormente sabe que faz aquilo pelo ESPÍRITO, é o ESPÍRITO que vai continuar ali, ele(a) guerreiro(a) apenas é um elo naquele momento, mas como uma nuvem vai passar e passar sempre.

Quem olha de fora vê o(a) guerreiro se dedicando e agindo com foco total onde está, podem indagar o que realmente ele(a) quer com isso, quais são seus "interesses", pois dirão "ninguém age só por agir", todo mundo quer ganhar algo", mas o que não sabem é que tal agir dedicado é só sua impecabilidade, quando chega a hora, quando os ventos do INTENTO sopram, um(a) guerreiro(a) apenas parte, livre, como se nunca tivesse existido o ontem, o que foi válido para sua condição de guerreiro(a) guarda em seu álbum de "momentos valorosos", o mais é recapitulado, a energia do lugar, dos eventos e das pessoas que ficaram no(a) guerreiro(a) são devolvidas e a energia própria tomada de volta e assim inteiro, livre e pleno solta-se novamente nas correntes do vasto mar da ETERNIDADE ciente que um novo e desafiante momento está a caminho.

Não importa se os resultados de seus atos aparentem ser vitórias ou derrotas a olhos outros, interiormente, por ter seu elo de conexão limpo, sabe que agiu sempre pelo ESPÍRITO e isto é o que importa, é tudo mesmo que tem sentido e valor.

À testemunha silenciosa que temos, nossa única platéia, com um gesto especial, o(a) xamã guerreiro(a) quando percebe que um ciclo de sua vida se encerra oferece tudo ao ESPÍRITO e segue em frente, livre, como poeira na estrada.

Só existe um tempo para um(a) guerreiro(a): o agora.

Só existe um lugar para um(a) guerreiro(a): o aqui.

Tudo mais apenas pode dissipar seu poder e esvaziar sua chance de atingir a única meta que tem, uma meta tão abstrata, que o(a) guerreiro(a) sabe que mesmo tendo sua vida dedicada a ela, pode mesmo não alcançá-la, por isso, podemos realmente dizer que um(a) guerreiro(a) age pelo prazer de agir, pela sua impecabilidade e nunca por nenhum propósito ulterior.

Por isso o que está nos livros de Taisha, Florinda, Castaneda é para nós totalmente real, não uma bíblia inquestionável, mas um MAPA, um mapa preciso de um território que só podemos percorrer como mitos.

Mas não é imitar que nos compete, imitar a forma é trair o ensinamento, é negar o conteúdo, o que buscamos é a compreensão dos cernes abstratos, pois são eles tudo que importa.

O que Taisha, CC, Florinda e outros viveram foram suas próprias formas de se relacionar com a ETERNIDADE.

Temos que sonhar um sonho de poder de nós mesmos, temos que crer que isso é possível, não cair na mediocridade das pseudo justificativas, das pseudo interpretações do "isto eu aceito", "isto não aceito", pois não estamos falando de dogmas ou verdades, nem de princípios religiosos, estamos falando do agir estratégico para atingir um estado de sonho acordado, uma configuração energética precisa que foi intentada pelos ancestrais xamãs que habitaram este mundo e que ainda vivem alhures.

O estado do(a) GUERREIRO(A) é um desafio imenso, mas há algo mais importante que este desafio, para nós, efêmeras criaturas fadadas a morrer e se dissolver na vastidão do mar escuro da consciência?

Há algo mais importante para dedicarmos cada inspiração, cada expiração e o espaço entre elas a esta meta?

Eu julgo que não e procuro ter nessa certeza a força motriz de meus atos.


Nuvem que passa
Qua Ago 29, 2001 6:23 pm

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Tempo de Lembrar: o Povo Encantado



O Povo Encantado 
(Ou a nação encantada num certo sentido do termo nação.)

Pouco se tem falado do povo encantado nestes tempos. 
Mas o povo encantado está voltando. 
Não são ufonautas. 
Não são anjos. 
Nem fadas, duendes, sílfides ou salamandras. 
Não são entes que já morreram embora alguns deles tenham vivido aqui entre nós em outros tempos ou mesmo nesse. 

Isso é de grande interesse, pois outros humanos como nós podem nos dar pistas sutis e importantes para melhor compreendermos e nos comunicarmos com o Povo Encantado. Ao contrário de outros povos que também passam certas vezes por essa dimensão da realidade o Povo Encantado tem vivo interesse pela Terra e seus ciclos. São muito ligados as árvores e medito como devem estar se sentindo agora que sabem que o ser humano declarou guerra ao mundo das árvores, nossas ancestrais guardiãs contra certos tipos de parasitas que vagam entre os mundos, roubando energia de organismos imaturos.

Fomos educados a ser subservientes. Nietzsche¹ frisa isso falando da moral de escravos² que nos regula.

Libertar-se dessa subserviência implica em vencer certos medos e certos pré-conceitos sobre nós mesmos e sobre a realidade a nossa volta. É importante que encaremos o Povo Encantado³ sem subserviência, do contrário seremos presos em armadilhas sutis de ficarmos eternamente tutelados por seres que apreciam esse tipo de postura, os quais há entre os muitos tipos de seres que compõe o Povo Encantado. A base de toda liberdade de um(a) xamã vem da liberdade perceptiva. Liberdade em perceber, pragmaticamente, a realidade a sua volta de forma que lhe aprouver.

O Povo Encantado está voltando para este plano da realidade. O que terão visto em sua viagem? Como reagirão ao notar a decadência desse mundo que deixaram há alguns ciclos? O povo encantado está voltando. Mais uma vez, em sua jornada existencial, como povo nômade que é, passa por uma planície que já passou outras vezes. Esta planície da Eternidade que tomamos por realidade única. Os primeiros emissários da tribo mostram-se perplexos frente à irrealidade deste mundo, a destruição, extinção, guerras de dominação e extermínio. Como um organismo surtado em total perda da homeostase a espécie humana neste planeta entrou numa trilha de autodestruição e agora, com o poderio nuclear ameaça concretamente levar todo o Ser Mundo consigo.

São fatos, apenas sensíveis a quem está aqui e agora presente. E como o grau de alienação da grande maioria é tremendo fica apenas o fato sem se tornar ato. O ato de poder que precisamos realizar é tornar efetiva nossa realidade de praticantes do Xamanismo. E entre outros atos concretos fica a forte intenção de VER energia, de começar a sentir as coisas em si e não apenas a convenção social descritiva que temos das mesmas. É fundamental isso para que mudemos o SONHAR coletivo do planeta no qual vivemos. Pois o que muitos dos seres que moram em outros mundos, entre eles o povo encantado, que por muitos mundos peregrina, pretendem fazer é "acordar" o SER Mundo deste sonho, no qual vivemos. Este sonho que se tornou pesadelo do ser mundo, a ideia que corre pelos mundos outros que coexistem com este, é "acordar" deste fragmento da realidade, tirar a energia, tirar a intenção dessa realidade. Não sei se consigo passar a extensão disso, mas nós, de repente, nos tornaríamos habitantes de um mundo que não mais geraria energia, mas tão somente um mundo espectro que se dissolveria sob os ventos da eternidade.

Quando o Grande Sonhador acorda nós nos tornamos meras entidades espectrais, terminando um drama patético de seres aspirantes à Eternidade, condenados a destruição covarde por ideologias dominantes e armas de grande poder manipuladas por poucos. Como xamãs podemos evitar que o Grande Sonhador nos abandone em seu sonhar, podemos intentar sonhar junto com o grande Sonhador um sonho novo, um sonho ponte.

Os da corrente Aesir em nosso meio chamam este sonho de sonho Bifrost, o sonho que une este mundo intermediário de Midgard à Asgard e aos mundos além, ao mundo dos Deuses e Deusas. Este sonho ponte precisa ser realizado e ampliado. Por esta ponte (uma metáfora para o termo 'new age': transição planetária?) poderemos atravessar para uma condição alternativa da realidade na qual o mundo tal qual o conhecemos amadurece para a próxima fase de sua existência em equilíbrio. Há os cultores do caos, que dizem ser necessário tudo que está acontecendo, que temos de deixar tudo como está. A proposta da Tribo do Arco Íris e dos movimentos a ela coligados, é sutil nisso, sutil pois pretende agir para fortalecer o Ser Terra, já que trilhando o caminho xamânico temos a força da cura como uma de nossas armas.

É sutil isso, não se trata de interferir, é balanceamento, por isso sutil. Lidamos com margens, não com limites ao lidar com esse tipo de fluxo. Não estamos querendo impor o nosso jeito de ser ao mundo. Apenas cuidando para que a homeostase fique em padrões aceitáveis à vida. Por esta razão a base de nosso trabalho é a autorrealização. E que conceito sutil é este, que possibilidades ricas em armadilhas vem por detrás dessas palavras.

Autorrealização.

Quem vai se realizar?

Um EU nascido do lugar silencioso interior ao qual peregrinaste em caminho consciente?

Ou o conjunto de estilos de reagir, raciocinar e emocionar-se que tens como "eu"?

O que levou a queda de todo o Império Tolteca histórico (o de 4.000 anos atrás aproximadamente) foi justamente a possibilidade de realizar atos de grande poder por parte dos(as) praticantes da ARTE, mas eles(as) usavam tais poderes a partir de seus 'eus' indisciplinados e caprichosos. Então receberam recompensas a seus caprichos, receberam confusas informações sobre as assombrosas vastidões que visitavam. Pelo que sabemos grande parte deles está no mundo das cavernas vivas, creio que é o mesmo mundo que o novo nagual chama de mundo dos seres inorgânicos. Minha experiência ali coincide muito com o que o novo nagual relata por isso creio que são o mesmo lugar. Um lugar paralelo a este, contraparte mesmo deste, mas só acessível sob influência dos seres que ali vivem, em complexa relação mutualística com as "cavernas vivas". Tema necessário de ser citado aqui mas que prefiro me abster de alongá-lo para evitar fantasias.

Outros (as) xamãs e povos antigos por aí estão, pela vastidão da Eternidade. De tempos em tempos alguns reaparecem sobre a Terra, há lendas e histórias deturpadas sobre tais eventos. Muito do que a literatura ufológica se apropriou, tendo alguns precipitadamente interpretado como seres de outros mundos, tem relação com estes povos e pessoas que voltam para esta realidade após navegarem por diferentes camadas da vasta cebola onde existimos.

Mas a LIBERDADE é bem mais que a busca do desconhecido. Exige equanimidade, pois há que se buscar aquele momento sutil, entre o aqui e o transcendente e por ele lançar-se, com coragem e desprendimento. A Liberdade exige uma paixão suprema, ao lado de um desprendimento total, paradoxo que só na prática se resolve.

O povo encantado está voltando, está novamente caminhando em nossas ruas, andando em nossos passeios, misturados como se fossem também daqui, mas os que sabem VER , mesmo os que sabem "NOTAR" vão perceber que são alienígenas, que podem nos seus primórdios terem até mesmo brotado deste mundo, mas hoje são entes, seres diferentes, em sua forma de existir que prolonga suas vidas por tempos inconcebíveis a nossa mente, mas ainda assim um dia terá um fim.

Acender as fibras uma a uma como faziam e fazem muitos(as) xamãs tem esse inconveniente, te prende da mesma forma ao mundo fenomenal, mesmo que em outras instâncias de consciência. Os xamãs atuais, que trilham este caminho, descobriram que as fibras devem ser visitadas, isto é o ponto de aglutinação deve ser deslocado para posições distantes e diferentes de onde está, mas sempre voltar para esta condição de percepção que chamam de Consciência intensificada, ou ainda "estar ciente de si", pois tal posição permite a essência perceptiva notar-se enquanto tal, ao invés de ficar diluída no que é percebido.

Ao final da vida libertado o ponto de aglutinação com o auxílio da força do "derrubador" este passa por todas as fibras que um dia foram ativadas, naquele momento que todos tem de ver a vida passando de novo. Mas os (as) xamãs tem uma capacidade de fazer isso subir algumas oitavas e usam desse momento para gerar uma explosão de energia, com o apoio da própria consciência da Terra. Essa explosão de energia é chamada de consciência total e de fato é a fusão da consciência humana com todas as fibras de consciência ambarina do Ser Terra. É a totalidade da consciência de nosso estado de SER.

Onde começamos esse caminho?

Aqui e agora fazendo de cada ato um ato de poder, de cada momento um momento memorável. O povo encantado está voltando e entre eles circulam os mais diferentes tipos, alguns te darão conhecimento pelo simples prazer de dar, outros poderão negociar com tua alma, a escolha é sempre nossa. Quem não se resolveu, quem não está bem aqui e agora, melhor que não se envolva com o povo encantado, como os djins do deserto, os gênios das lâmpadas, alguns (as) deles (as) tem a peculiaridade de atender os pedidos de acordo com o nível mesmo que o pedinte formula sua necessidade. E basta notar o quanto somos inconscientes de nós mesmos a maior parte do tempo, como ficamos muito presos em indolências, vaidades e autopiedades, enfim, em sentimentos que nos minam as forças. E assim, para sanar carências, para sanar inseguranças, para sanar "revoltas" com o mundo, para sanar fraquezas interiores, ao invés de resolverem-se, alguns preferem tomar o poder para exercê-lo de forma a provar algo, a se auto afirmar de alguma forma perante o grupo ao qual está escravizado.

É interessante que poucos notem isso, mas o sistema criou um sistema de senzalas muito inteligente. Com modismos, com carências ampliadas, com crenças em medos e pecados, com rancores, com sensações constantes de frustração, conseguiu criar uma aura de medo e desconfiança que leva a um hipofuncionamento da maior parte dos seres humanos. Aí, tais seres, passam a depender da aprovação de certo grupo que elegem para seus "capatazes". Estar na moda, ter certos símbolos de status e poder passa a ser uma necessidade. E então se comprazem em "se matar" para passar uma "imagem". E sobrevivem em ocupações que lhes escravizam para poder manter tal imagem, para poder manter um carro, um celular, uma roupa, tudo de certas grifes, o que é algo que merecia internação psiquiátrica, sob a ótica do xamanismo.

Uma pessoa que sacrifica o dom da vida para servir a este esquema de imagens está tão fora de seu centro, é tão alienada de sua realidade que pode ser usada como massa de manobra para qualquer processo bem realizado de manipulação grupal. O interessante é que como xamãs guerreiros (as) podemos transformar tudo isso em campo de treino e desenvolvimento de nossas habilidades. Por isso é perigoso este tipo de conhecimento, o grau de desprendimento que tais conhecimentos revelam pode gerar a armadilha oposta, aí teremos este conhecimento sendo usado por pessoas que querem justificar sua própria preguiça ou inabilidade em lidar com o mundo tal qual existe. Ora, como querer ir a outros mundos e realidades complexas se nem houve realização efetiva, demonstração de habilidades estratégicas para ser livre e autossuficiente no aqui e agora?

Assim como tem gente que lê "A Erva do Diabo¹⁰" ou "Uma Estranha Realidade" para ficar justificando sua necessidade de ficar se drogando, tem pessoas que usam de todo saber mais amplo para justificar seus estreitos posicionamentos. Isto é o risco, inquisições e perseguições irracionais não abandonaram o mundo ainda, devemos tomar muito cuidado, há um momento de tensão planetária, os sucessivos alinhamentos planetários, a energia do eclipse, tudo isso está ainda em atividade e começa agora a chegar no campo físico do mundo, depois de ter passado pelos campos mais sutis do planeta. E é neste momento que nós xamãs das mais diversas tradições podemos nos unir para uma dança e um canto, um festejo à Terra e a transformação dessas energias. Urge que façamos isso, que transmutemos com nossas fogueiras, com nossos cantos, com nossas pedras, com nossas ervas, com nossos aliados animais e seres de mundos outros, que juntos transmutemos a energia bruta que está chegando dos astros para o plano desta realidade.

Somos surfistas do Zuvwuia¹¹, temos que pegar essa onda que aí vem e nela “dropar” com foco e tenacidade, para que o vibrar de nossa alegria interior transmute as energias intensas que chegam a este plano da realidade. Se criarmos uma rede desse propósito pelo planeta poderemos usar este momento como o primeiro salto consciente rumo a grande transmutação de 2012 (datas aqui só prá dar uma ideia, esse calendário de números é furado, criado para gerar dessincronia). Este é um desafio, nos unirmos ao povo natural para gerarmos uma onda de transmutação nas energias que estão chegando ao planeta resultantes dos grandes alinhamentos vividos recentemente.

Há sempre duas opções ao ser humano:

Viver a história ou sofrer a história.

Nós fazemos essa escolha. Quando deixamos de ser alienados de nós mesmos, quando nos lembramos.

Lembramos que somos mais que o que nos disseram que deveríamos ser.

Quando nos lembramos que somos entes perceptivos.

Percebemos, é um fato, mas o que julgamos perceber é interpretação baseada em convenção imposta.

Podemos ir além disso.

Trabalho é o que não falta neste momento.

Estamos na batalha tão esperada, sutil, constante, onde cada triunfo sobre nossas falsidades interiores é também uma vitória rumo a um mundo equilibrado.

O ciclo termina.

O garoto do Pólen¹² surge com a luz do sol e caminha despertando sua face em meu interior.

É um novo começo, é um novo momento.

Temos um trabalho.

Que só pode ser realizado por quem está presente aqui e agora.

Fugir do mundo em causas arrebatadoras é uma fraqueza bem explorada pelos que precisam que as coisas mudem de uma forma que continuem as mesmas.

A tribo do Arco-Íris, o Povo Encantado e outras tradições que partilham desse combate por um novo estado de consciência atuam a partir da irradiação, isto é, que cada ser realize-se plenamente dentro de suas próprias fronteiras.

Aí sim sua ação não será um proselitismo exigindo de outros níveis de realização que "julga" serem os corretos.

Para quem se realizou o Trabalho é radiante, a realização transborda e então impregna tudo a sua volta.

São formas completamente diferentes de encarar o trabalho de estar nesse complexo momento da realidade que intentamos aqui, usando mecanismos sutis como este, num mundo já paralelo, onde fótons virtuais correm junto aos fotons efetivos, ampliando os mundos onde esta mensagem chega.

O povo encantado está voltando e urge que recuperemos nosso encanto.

Tão desencantados da vida seguem tantos pelo mundo.

Tão desencantadas da vida seguem tantas pelo mundo.

Encantamentos precisam ser recitados e realizados.

Encantar o instante, o aqui e agora, encantar com a presença.

Então o mundo encantado se mostrará, oculto sutilmente, presente onde sempre esteve, atrás da cortina chamada realidade que colocaram para nos cegar com sua clareza.

E saberemos que nunca caímos, nunca fomos alijados de lugar algum, apenas nos esquecemos.

E agora é tempo de lembrar.

Nuvem que passa
Data: Ter Out 24, 2000 1:58 pm

Notas

¹ "O escravo, dentro da perspectiva nietzschiana, é aquele que, por impotência, não consegue afirmar-se, não leva sua força até seu limite. A perda de plasticidade o torna rígido, ele se perde em seu mundo, sem conhecer as ferramentas que poderiam ajudá-lo ou sem saber manejá-las. O perigo mora na possibilidade assustadora de que a moral dos escravos passe a criar valores. E, para o horror de Nietzsche, isso acontece. Não que o fraco possa realmente criar valores, em razão de sua condição, isso ele não pode, mas está dentro de suas possibilidades inverter os valores, dando-lhes uma nova feição e anunciá-los como se fossem inteiramente novos" - mais em Nietzche - ressentimento e inversão de valores, por Rafael Trindade.

² Ver o excelente documentário "Da Servidão Moderna".

³ O conceito de Povo Encantado parece envolver tanto seres de natureza extra-terrestre como seres intra-terrestres, além de seres hiperdimensionais, ou seja, que tem como referenciais não a Terra ou essa faixa de realidade, contudo seria estranho chamar tais seres hiperdimensionais de extra-reais. O ex-oficial de inteligência dos EUA, David Grusch, fez denuncia em meados de 2023, sob juramento, no Senado, afirmando sobre a existência de tais seres hiperdimensionais, inclusive. Um tipo de ser dentro do conceito de Povo Encantado é o Povo Formiga, que faz parte da tradição de alguns povos nativos como os Huni Kuin, da Amazônia brasileira, e os Zuni, da região do Novo México. O conceito de povo encantado aqui é diferente do conceito de povo encantado pertencente à encantaria da Umbanda ou do Candomblé.

⁴ Nós somos o sonhado, por um força impessoal definida aqui como o Grande Sonhador, com chance de nos tornarmos sonhadores se nós nos dermos conta da natureza desta realidade ou, dizendo de outro modo, deste sonho, por isso um dos fundamentos da Arte da na tradição do Xamanismo Guerreiro é o sonhar. Se o Grande Sonhador desperta antes de nós isso significa que nós, como mero sonho que somos, sem autoconsciência, nos desfazemos. Como dica cultural é interessante ver o filme 13° andar.

 Clã dos deuses mais conhecidos ligados á mitologia nórdica, tais como Odin, Thor, Balder e outros. Habitantes de Asgard.

 Podem haver uma correspondência entre os termos cavernas vivas, mundo dos seres inorgânicos e o conceito de lokas, próprio da mitologia hindu, que seriam céus criados por 'deuses' que poderiam ser habitados por humanos dedicados a tais entidades.

⁷ Há uma confusão conceitual muito grande entre extraterrestres e seres alienígenas, pois o primeiro ainda está nessa faixa de realidade e o segundo pode estar ou não, caracterizando-se por ser culturalmente, esteticamente e/ou tecnologicamente  muito diferente, estranho, inusitado em relação a nós. Por exemplo, o Xamanismo Guerreiro é completamente alienígena em termos culturais vis a vis a nossa visão de mundo ocidental materialista, racional e acadêmica como bem mostra os conflitos de aprendizado do nagual Carlos Castaneda.

  O derrubador ou a força rolante é umas emanações da Águia ou do Mar Escuro da Consciência, apresenta-se como uma linha de bolas de fogo que nos golpeia na altura do umbigo ou da fenda luminosa nos levando à morte.

Do árabe, djinn, "aquele que não se pode ver", os ocultos, os escondidos, os sutis, teriam surgido, segundo o Alcorão, de um fogo sem fumaça ou de uma energia sutil. Curiosamente vários seres da mitologia hindu também nasceram do fogo, alguns do fogo ritual como, por exemplo, a esposa dos 5 irmãos pândavas, Draupadi, história presente no Mahabharata.

¹⁰ Carlos Castaneda queria que o livro primeiro que ele escreveu tivesse como título "Os ensinamentos de Dom Juan", mas o editor nacional alterou o título original por uma questão de marketing ou de manipulação do interesse do público.

¹¹ Termo originário da mitologia maia e título de uma obra do Dr. José Arguelles: Surfistas do Zuvuya, uma viagem interdimensional. Nas palavras do próprio: "Zuvuya é o termo maia para o grande circuito de memória. É o canal direto da memória. Atua de modo
individual e coletivo. O que é mais importante, ele nos une ao futuro e ao passado. Por quê? Porque Zuvuya é um encadeamento  interdimensional. E todos nós somos interdimensionais. Você pode entrar no Zuvuya a qualquer hora, em qualquer lugar. Assim que tiver entrado, compreenderá que nunca perdeu de fato o contato com ele. Mas se perder esse contato, bem, nada mais fará sentido. E, todavia, o Zuvuya está sempre presente. É ele que alimenta a sincronicidade e, consequentemente, é a linha de abastecimento para a magia". 

¹² Menino do Pólen - um dos mitos sobre o nosso potencial interior criativo, associa-se a ideia de criação, crescimento (ver etimologia da palavra criança), é a semente que contém em si todo o potencial de crescimento do ser. Encontra-se a figura do menino do pólen em culturas nativas como a dos navajos, por exemplo.


quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Agir conscientemente, por Nuvem que Passa




Creio por prática que incidir nos mundos virtuais é um ato profundamente mágico, do qual nossa consciência ordinária só capta uma pequena fração.

Conexões desconhecidas são estabelecidas entre os organismos da Terra quando as pessoas passam a trocar informações virtualmente.

Estamos vivendo num momento mítico, num transpor de Eras que cria oscilações fantásticas no tecido da Realidade.

É por isto que nunca tivemos um mundo tão em crise, tão deprimente, desestimulador e amedrontador se ficarmos presos a visão que o Sistema Dominante impõe, basta assistir o "Jornal" que tem a pretensão de ser o "retrato da verdade".

A visão que temos da realidade é uma resultante de nosso estado de consciência.

Este fator determina toda uma outra abordagem da realidade por parte de certas linhas de praticantes do que se convencionou chamar Xamanismo, que eu pessoalmente chamo de ARTE.

A ARTE veio sendo desenvolvida e reinterpretada pelos(as) seus(as) praticantes através dos Tempos.

Mas cada tempo sem seu modo próprio de fluir.

Cada momentun do tempo-espaço surge como resultante da maneira pela qual interagimos com as emanações a nossa volta, com as "supercordas" como as chama uma das teorias físicas hoje elocubradas.

Obviamente com seu pragmatismo característico os(as) adeptos(as) da ARTE se puseram a interagir de forma criativa com estas constatações.

Constatação: Existem várias realidades interpenetradas, se vivemos em uma cebola, mas nesta quadridimensional cebola as camadas são dinâmicas, em arranjos combinatórios inconcebíveis a nossa tacanha habilidade geométrica em conceber arranjos da realidade.

Bem se existem outras realidades como podemos nelas atuar?

Este primeiro caminho de observação leva bem longe quando os Xamãs descobrem que o Sonho é uma condição alterada de consciência que algumas vezes leva a consciência a incidir nestas outras realidades, chegando mesmo a estabelecer contato com entes conscientes destes mundos outros que não esse.

Obviamente a questão passou a ser:

Como ir de forma controlada e sistemática à estas outras realidades?

O Sonhar era muitas vezes errático e possuía compensações naturais que dificultavam ainda mais o "estar consciente em sonho". Técnicas bizarras foram desenvolvidas para promover estes "sonhos conscientes".

Foi bem mais tarde que os (as) xamãs perceberam que havia uma força por detrás disso, que as formas ritualísticas e complicadas que usavam para evocar e provocar estes estados "xamanísticos" de consciência serviam apenas como alavanca.

O que estava em jogo era outra abordagem da realidade.

Percebendo que a realidade era composta de duas retas paralelas.

Numa está esse mundo, tal e qual o conhecemos.

Indo nele, lidando com ele se vai por uma "trilha" de energia.

Tudo que vamos perceber como realidade está condicionado aos "acordos" feitos entre as (os) percebedores.

Nós entramos nesse acordo perceptivo, mas não percebemos que o fizemos e, ainda pior, não sabemos que podemos romper com estes acordos perceptivos e entrar em outros acordos perceptivos mais amplos e efetivamente ligados a autonomia e plenitude existencial.

O primeiro acordo perceptivo que os (as) xamãs rompem é a superstição que os sonhos são apenas cenas produzidas por neuroquímica mental, evocações de associações realizadas pelas funções psíquicas humanas durante o descanso do cérebro.

Isso existe também, mas não é apenas isso o sonho.

No estado de soltura do sonhar a essência perceptiva ao invés de ficar regurgitando suas próprias prisões existenciais, pode se lançar a um nível mais amplo de percepção e se tornar ciente de si.

Assim como o estar no aqui e agora é um trabalhar sobre o despertar de nós mesmos, nesta condição usual da realidade, o despertar no nível do sonho encontra barreiras diversas.

Quem tem a experiência de procurar se observar e se sentir presente no aqui e agora percebe bem como nos perdemos, como “esquecemos" dessa proposta, como vivemos hipnotizados no dia a dia.

O mitote do mundo nos prendeu.

Nos faz sonâmbulos e nos desvia da plena consciência de nós mesmos.

O mesmo ocorre no plano dos sonhos.

Mas ali, como aqui, podemos "acordar".

Quando nos tornamos conscientes de nós mesmos na frequência do sonhar algo mais acontece.

Uma condição excepcional de energia chamado: "corpo de sonho", o "sósia", o "outro", "corpo astral", "corpo de energia", "corpo radiante" e outros tantos nomes, aparece.

Quando acordamos a cada manhã temos uma noção de continuidade. Essa noção foi construída pelas vivências e para os (as) xamãs estas memórias estão acumuladas pelas células do corpo inteiro.

Assim é o corpo físico que garante nossa continuidade, aquilo que chamamos de “memórias acumuladas", os vetores que juntos geram o vetor resultante que chamamos de "eu", aglomerado, não singular como pretende ser, mas multiplicidade disfarçada de "um".

Pois bem, sem o corpo de energia não há como ter continuidade nos sonhos, assim quando nos "lembramos de nós" dentro de um sonho geramos uma curvatura nas fibras da Eternidade e tal curvatura começa a gerar algo novo, algo que se convencionou chamar de "Corpo de Energia".

As confusões que tal caminho gerou são enormes e o que vou relatar a seguir é a forma da linhagem com a qual aprendi avaliar os fatos citados, respeitando as outras versões sobre os mesmos temas.

Para o Xamanismo que estudo raros seres já possuem "ligado e maturado" o corpo de energia.

Nas viagens que fazem pelos outros mundos os seres se projetam enquanto entidade perceptiva, mas pouco ou nenhum controle tem sobre o que está a sua volta, são folhas ao sabor do vento.

Mas existe uma possibilidade de mudar essa condição de ausentes de nós mesmos.

Neste mundo cotidiano no qual estamos o trabalho com a ARTE do agir no mundo é um caminho xamanístico de transformar nossos atos nesse mundo em magia e realização.

O equivalente a esta ARTE de estar focado no aqui e agora, transformando cada momento da vida numa manifestação da ARTE, se manifesta nesse nível que precariamente chamamos de ", Sonhar Consciente".

Sonhando consciente as (os) xamãs estão desenvolvendo o corpo de energia, o "sósia", a contraparte de energia do corpo físico.

Por necessidades da Eternidade o "mundo" gera e cria o corpo físico.

O corpo físico em seu processo de gestação e desenvolvimento passa por fases que podem ser repetidas na criação de um outro corpo, agora de energia, agora com habilidade de incidir em muitos outros mundos que não apenas esta condição que chamamos de realidade.

Estar aqui e agora implica em estar focado no momento presente.

Isso curva o espaço tempo a nossa volta, pois teremos mais energia presente, mais energia concentrada numa porção da Eternidade causa oscilações significativas.

Assim ao criarmos um corpo de energia, pela atitude de lembrarmos-nos de nós mesmos nos sonhos, causamos perturbações no tecido da Realidade mais ampla que são percebidas por seres mais maduros nesse processo de explorar conscientemente outros mundos.

Entrar pois nestas outras realidades exige preparo de quem o faz, pois ao encontrar com outros entes conscientes da Eternidade poderá estabelecer relações questionáveis onde perderá sua autonomia existencial e sua liberdade.

Para os que trilham caminhos servis creio que isto é sem problema, mas para quem tem a LIBERDADE como meta fica questionável tal proceder.

Houve um tempo que os antigos lidavam com os poderes diretos, com as expressões singulares dos poderes da Natureza e da Eternidade.

Mas então veio outro tempo no qual entes de grande poder se apresentaram para ensinar e auxiliar muitos(as) xamãs e outro estilo de ação começou em alguns lugares.

Servir a entes, tidos por deuses e deusas.

Como se uma vela frente à imensidão de uma estrela escolhesse negar sua condição de vela, para ser uma serva da estrela.

Existe uma infinidade de ritos destinados a evocar e criar "pactos" entre seres humanos e estes entes, que se apresentam das mais diversas formas de acordo com a maturidade psíquica de quem os evoca.

Uma das confusões que alguns estudiosos apontam para o corpo energético está no contato com estes entes.

Alguns iniciados em lugares diferentes do mundo sabiam como "mudar" para o outro, entrar em consciência de corpo energético.

Nesse estado tinham seu poder incrivelmente transformado.

O "outro" trabalhava para os de sua tribo.

Para os que vinham o mistério do "outro" não era compreensível.

Passou a ser algo fora. Algo diferente.

Mais tarde o outro e esses ritos foram repetidos, mas ao invés de ser o "'sósia" do (a) xamã que "trabalhava", já eram (quando eram) entes que haviam estabelecido estranhas relações de energia com alguns seres humanos, grande parte das vezes parasitária.

O conceito de "anjo da guarda" passa por leituras equivocadas do papel do "outro".

Energia é um guardião da totalidade.

Ele "intui".

O corpo de Tudo que chamamos de "poderes” como clarividência, "intuições”, vem da ação do corpo de energia.

Corpo de energia quando está desperto abre os canais da percepção interior.

A meta dos (as) xamãs que conheço e de várias outras linhagens é fundir ambos os corpos, criar uma unidade estrutural composta do corpo de energia e do corpo que chamamos físico.

Mas tal fundir deve acontecer no momento adequado, por isso antes, se trabalha os dois corpos separadamente.

A ARTE do Comportamento (ou a arte da espreita), junto com o preparo do corpo físico através de trabalhos físicos específicos, no Taoísmo e em outras escolas, como os Toltecas (passes mágicos), tem movimentos muito específicos para trabalhar aspectos específicos da energia.

Tai Chi Chuan e Kung Fu são nomes genéricos, com variados estilos de execução de movimentos que visam desobstruir o fluxo de Tsing pelo organismo e também entre o organismo e seu meio circundante.

Esta relação com a energia circundante que temos é deixada de lado por muitos e isto é bem equivocado.

A energia precisa fluir não só em nós, como de nós para o meio, do meio para nós, entre nós e as pessoas que convivemos.

Isso ocorre, sempre, o que os(as) xamãs buscam é tomar consciência disso e estar de tal forma no mundo que nunca deixem sua energia nos lugares e pessoas nem levem as das pessoas e lugares consigo.

Há exercícios específicos no Taoísmo, no Budhismo e no Xamanismo que visam declaradamente trazer de volta as energias nossas deixadas nos lugares e pessoas e desgrudar de nós as energias deixadas pelos lugares e pessoas.
Tais práticas permitem uma maior força no estar aqui e agora, primeiro porque estaremos com nossa "integralidade" assegurada, segundo porque não teremos energias não nossas nos pretendo a situações e pessoas.
Este aspecto tem que ser muito bem trabalhado para evitar leituras tendenciosas, separatistas e egóticas do tema.

Quando entramos em outros mundos alinhamos condições de energia das mais diversas.

Cada mundo tem sua própria característica e estaremos recebendo estas energias com sua própria frequência e decodificando de acordo com nosso sistema base de interpretação.

Assim os mundos vistos, quando avaliados com os referenciais deste contexto de realidade parecerão incrivelmente parecidos com estes, mas bastará despertar a percepção do corpo de energia, que percebe as coisas como energia, que tal "moldura" se desfará e a percepção enquanto energia se sobreporá a visão anterior.

É óbvio que é mais seguro ver os outros mundos em forma de energia que decodificá-los com nossos limitados referenciais.

Assim sonhar é todo um campo complexo dentro dessa trilha de despertar no sonho, lembrar de si mesmo no sonho, perceber que está no sonho, isto é num nível diferente não só de realidade mas de poder de realização.

Tão importante quanto perceber a condição diferente de "mundo" onde se está é perceber sua habilidade de realização nestes mundos.

Estaremos nos expondo como um habitante de uma toca que se aventurasse a explorar a floresta a sua volta.

A realidade predadora da Eternidade é um fato para o Xamanismo, ao menos para alguns de seus ramos.

Portanto, antes de se aventurar em outros mundos os (as) xamãs aprenderam a usar esse como seu campo de aprendizado.

Partindo da premissa que aqui a Eternidade já nos deu um corpo, uma condição de existir singular, a primeira coisa que nos ocupamos é em "sentir" esse corpo e aprender a "agir". Elaborar o sentir, perceber, elaborar o resultado dos atos é o pensar, que é bem mais que o mero raciocinar, que lida com combinar informações prontas e preconcebidas.

Realmente pensando, sentindo e agindo os (as) xamãs se consideram então prontos para se aventurar em outras realidades, desafiantes como essa.

Assim como o corpo físico pode ficar aqui nesta realidade, iludido com tolices e se crer em estados que não está, como livre por exemplo, o corpo de energia pode igualmente se prender.

Frente a tacanha vida desta realidade, para alguns é demais quando descobrem as possibilidades do corpo de energia.

Se para alguns os outros mundos acessíveis pelo corpo de energia, se tornam um campo de trabalho e testes, um campo de treinamento onde aprendemos a usar, onde maturamos nosso corpo energético, tanto quando maturamos nosso corpo físico neste mundo, para outros os mundos viram uma nova fonte de entrega, de inconsciência, de diluição e identificação.

A leitura das outras realidades como planos "espirituais" mais "evoluídos" e menos "evoluídos" e todo o neodarwinismo social que vem por aí é apenas uma pálida amostra de como este conhecimento foi deturpado.

Pior ainda quando colocam este mundo no qual vivemos como o "fundo do poço" , o "vale de lágrimas" de onde devemos "sair" para a "pureza" dos planos "superiores".

Reconhecendo este mundo como apenas mais um entre tantos e os tantos como apenas outros distintos desse, os (as) xamãs usam ambos, cada qual de forma específica e pragmática, no trabalho de expandir ao máximo sua consciência perceptiva.

E a realidade e amplitude de seu trabalho no aqui e agora é o mesmo que a realidade e amplitude de seu trabalho no corpo de energia.

Nuvem que passa
Data: Sex Set 15, 2000 12:01 am

terça-feira, 7 de novembro de 2023

O Trabalho, por Nuvem que Passa

Os textos a seguir foram apresentados numa série de palestras realizadas durante o ano de 1999 em alguns lugares do Brasil.

Tais palestras foram destinadas a grupos de pessoas que estavam realizando um trabalho, ainda em andamento, de pesquisa e prática sobre "Caminhos Iniciáticos" estudando tradições ancestrais diversas.

O ciclo de palestras do qual estes textos fazem parte objetivavam demonstrar que existiu num passado remoto, mais de 10.000 anos a julgar por certas pesquisas¹, uma civilização global, com um avanço ímpar, que desapareceu. 

O chamado "saber esotérico" seria a continuidade dos estudos sobre esta e outras realidades, empreendido por homens e mulheres em linhagens na maioria das vezes desconhecidas do grande público, homens e mulheres que mantiveram, em várias partes do mundo, acesa a chama em busca do autoconhecimento, em busca de respostas para perguntas tão importantes: quem eu sou, para onde vou e de onde venho.

Dentro dos paradigmas desse conhecimento existiria um núcleo da humanidade (chamado por Gurdjieff de círculo interior da humanidade) que nunca perdeu o SABER DAS IDADES, este núcleo esotérico é composto por homens e mulheres, que teriam a continuidade desse saber em suas práticas.

Muito pouco do que se fala sobre "mestres e mestras" hoje tem a ver com o que estamos falando aqui, aliás, a própria H.P. Blavatsky quando viu o que estavam fazendo com sua divulgação dos Mahatmas, dos Mestres e Mestras, declarou que preferiria nunca ter dito nada a ver tal deturpação.

Lembrando que tais homens e mulheres não são seres "desencarnados", mas mestres e mestras vivos, existindo no aqui e agora. 

Haveria uma outra esfera, de homens e mulheres que embora recebam de tempos em tempos acesso a este núcleo, não o têm por completo, ainda estão num processo de maturação, assim o conhecimento não lhes é completo, mas atuam de forma incisiva na tentativa de gerar um efeito na humanidade como um todo.

Enquadram-se também homens e mulheres que por um período de suas vidas tiveram contato com esses núcleos esotéricos, deles recebendo certas missões e depois voltando à esfera cotidiana, sendo que em alguns, como no caso do Sr. Gurdjieff, notamos que durante toda a vida há uma evidente busca de "um novo contato". 

Cremos que as religiões surgem aqui, vindas de fontes esotéricas, mas já algo imprecisas, como a linguagem humana o é, assim, na semente de toda grande religião existiriam grupos de pessoas que procuravam dar algum encaminhamento à massa humana.

Como estudaremos no decorrer deste trabalho não se trata apenas de um "encaminhamento moral" como é moda hoje acreditar, mas vai muito mais além, ritos e práticas mágicas coletivas surgiram para manter a humanidade alinhada com certos propósitos do organismo cósmico do qual fazemos parte. 

Muitos ritos e práticas mágicas, depois imitados e tidos por "ritos de adoração a Deuses e Deusas", surgiram, na realidade, como práticas de sintonização com certas energias, numa notável ação de grupos que observam e entendem a complexidade do organismo cósmico no qual estamos inseridos. 

Chegamos então no plano eXotérico, no qual o saber se manifesta e é interpretado como algo externo, hoje se tornou popular dizer que as pessoas do mundo estão no plano eXotérico, pelo rigor deste conhecimento que vamos aqui debater isto não é de todo real.

O Saber eXotérico é já algum saber, é o saber das filosofias, das ciências, da Arte e da Mística em seu aspecto manifesto. 

É alguém que ao menos começa a saber de si, portanto, como alegar que as pessoas estão no "eXoterismo" quando uma observação sincera e atenta mostra que grande parte da humanidade está alienada de si mesma?

Hora, tal saber não está acessível a todos, grande parte das pessoas do mundo contemporâneo vivem suas vidas roboticamente, bilhões de pessoas acordam, trabalham, se alimentam, jogam, assistem TV, fazem sexo e vão dormir sem nunca refletirem muito sobre o milagre da vida que realizam a cada instante, num mecanicismo total, estas pessoas não estão "vivendo", mas sobrevivendo e vão continuar assim se depender do interesse de certos grupos.

Grupos que tomam a religião e de “religare” a transformam em seu instrumento de dominação ideológica, grupos que tomam a ciência e de um instrumental de conhecimento da realidade e do progresso humano a tornam servil fornecedora de meios de destruição cada vez mais eficazes e instrumentos de controle, como nas estratégias de guerra psicológica. Grupos que fizeram dos guerreiros meros mercenários, a serviço do soldo mais alto.

Não é uma tarefa simples transformar estes temas em textos, porque no falar temos tons de voz, entonação, expressões faciais e corporais que a palavra não permite reproduzir totalmente. 

Neste ponto, talvez os poetas tenham mais sucesso em transmitir exatamente o que querem, a poesia dá uma elasticidade maior às palavras que a prosa, mas quiçá consiga algo de poesia em tais textos que seguem. 

Eles existem porque algumas pessoas tomaram várias notas durante as palestras e depois me enviaram cópias dessas notas, isto me levou a sistematizar tais notas nestes textos que também fazem parte do livro sobre Magia, Xamanismo e Bruxaria que estarei lançando em breve. 

É um convite à reflexão sobre temas diversos que inquietam a humanidade desde seu alvorecer para a consciência. 

Como verão no decorrer do texto insisto que tais reflexões não são respostas, mas um convite a melhorar a qualidade das perguntas feitas à ETERNIDADE. 

O Trabalho.


É por vezes bem arriscado tentar definir certos processos em palavras. As palavras têm limitações implícitas em sua própria constituição. Mas se nos lembrarmos disso, se compreendemos que palavras estão presas na memória e a memória é apenas o inventário de tudo o que vivemos, então, poderemos usar as palavras como ferramentas.


O Trabalho.


Quantas vezes tentamos definir o que é o trabalho sobre si mesmo? E quantas vezes deixamos de alcançar o resultado por não termos claro o que é esse si mesmo sobre o qual acreditamos poder trabalhar. Por razões como esta que todo trabalho efetivo começa com a observação de si mesmo. Sim, lembrar-se de si mesmo no inicio é isso.


Observar-se.


Meditar.


Observar como respira, onde você está.


Observar suas emoções, seus pensamentos.


Observar como eles surgem, o que os motiva.


Como é seu reagir frente às diversas situações que a vida oferece?


Observando-se a cada instante acabará criando um significado mais amplo para esse "si mesmo".  Se você não se observou nunca ou se não o fez por tempo suficiente as colocações que vêm a seguir não terão muito sentido. Este ensaio é destinado àqueles e àquelas que já caminharam um pouco na senda da auto-observação, estando assim cônscios de certas peculiaridades de nosso ser neste mundo. Este exercício é muito difícil de ser realizado pela maioria das pessoas porque elas se observam esperando algum resultado, depois de um tempo consideram que "já se observaram o bastante" e agora o que vai acontecer? "Pronto, já me observei e agora?" Essa é uma reação que ocorre muito neste tipo de exercício. Este tipo de abordagem é inútil nesse exercício. Observar-se sem julgamento e apenas observar-se, contemplar-se como é, sem analisar ou criticar.


Se você decidiu fazer um regime e ainda assim compra um doce na padaria, observe-se, sem traçar planos de regime, sem se reprovar, sem se justificar. Apenas observe-se no ato, no momento, o que sente, observe o que em você lhe leva a comer esse doce. Se alguém fuma, observe-se acendendo o cigarro, o corpo pedindo, como pede, a satisfação da fumaça, o fumar a cada momento, as reações de seu organismo. Cada momento seja ele como for. Quando estiver sem fôlego, arfante, tossindo, sinta isso, sinta seu organismo. Você vai ao banheiro, como se sente durante o que quer que vá lá fazer? Antes, durante e depois, será que percebes que já és outro durante esse processo?


Observar-se é isso (ver o texto "O começo de tudo: a auto-observação").


Um ponto que sempre me pedem é definir os objetivos do Trabalho e quais os métodos que ele usa para nesses objetivos chegar. Isto está bem de acordo com a cultura atual, envolvida em procedimentos, técnicas, etapas para se atingir algo.


Mas as metas do Trabalho não estão no mesmo plano de nossa compreensão ordinária. As reais metas do Trabalho estão além da esfera onde a mente usual opera. No nosso nível ordinário de consciência não há como compreender plenamente o Trabalho, assim toda definição, toda elaboração racional sobre o Trabalho, como esta que aqui está sendo tecida, vai ser sempre, na melhor das hipóteses, uma aproximação, um aludir, um apontar para algo que embora comece na nossa esfera do cotidiano tem como objetivo o adentrar em outras esferas da realidade. 


Quando começamos a tecer um tapete, por exemplo, sabemos qual é o resultado exato que pretendemos, assim temos que trabalhar, usar as combinações certas de cores para atingir o desenho que queremos e a usar o ponto adequado. Mas o Trabalho é como tecer um tapete com fios mágicos, fios que uma vez juntos na trama da tessitura provocarão um resultado novo e surpreendente além de toda nossa expectativa.


O Trabalho tal qual o consideramos aqui começa numa esfera, na esfera limitada e robótica na qual vivemos nossas vidas, mas nos leva a outra esfera, ao estar desperto e presente de fato (ver texto O Quarto Caminho, por P.D. Ouspensky). Embora não possa ser limitado, é possível dentro da amplitude na qual o Trabalho ocorre destacar alguns aspectos seus, para que façam sentido mesmo dentro dos limites ainda cartesianos que a mente linear opera. Mas não perca nunca isso de vista, não se esqueça: 


Falar sobre o Trabalho é apresentar um pálido esboço, chamar a atenção para alguns aspectos de um todo multifacetado e muito mais abrangente que a tosca descrição possível dentro da linguagem vulgar que usamos. O Trabalho é mais do que o açambarcado pelo falar. Aqui vale o velho aforismo:


"Se queres ver a estrela não te fixes no dedo que a aponta".


A história humana tal qual a estudamos na escola é uma tolice sem par. Alguns homens, sempre homens, indo e vindo, matando, pilhando, roubando, impondo seus caprichos sobre outros. Servos que destroem seus opressores e instalam um tipo de opressão ainda pior. Escravos que se tornam peões, que se tornam assalariados e continuam a servir. A implantação do modelo nascido e desenvolvido no mediterrâneo sobre todos os outros povos. Vimos isso como guerras de conquista, depois como "colonização" e agora o mesmo imperialismo é chamado globalização.


Mas não deixa um minuto de ser o que sempre foi.


Grupos em busca do poder, grupos que se aliam e brigam e voltam a se aliar. Grupos que dominam o poder das armas e grupos que dominam o poder religioso. Assim, matando, subjugando e convertendo os povos, vêm esses grupos se espalhando há séculos por todo o mundo e agora dominam-no completamente.


Pense que neste instante estão trabalhando em artefatos nucleares, outros tantos já prontos aguardam em silos e usinas de segurança duvidosa. Existem mentes brilhantes agora manipulando bactérias e vírus, tentando criar doenças que possam ser lançadas sobre populações específicas, doenças como armas. Contaminar o mundo e criar uma imunidade só nos grupos escolhidos.


Você é tão robotizado que nem sequer pensa nisso?


Que toda, TODA, a vida neste planeta está ameaçada completamente enquanto esses engenhos existirem?


Neste instante alguma mente brilhante foi desviada de seu curso e serve a indústria da guerra: mentes humanas pensando o meio mais letal e eficiente de matar outros seres humanos. Guerra química, guerra biológica, domínio psicológico das massas. 


Destruição.


Indústrias continuam rasgando a terra, poluindo ar e mar, esquecidos que nossos recursos naturais são finitos e a Terra é como um aquário no meio do grande espaço interestelar. Sim um aquário, a mesma limitação de um aquário. 


Pense nisso e pense com atenção, faz partes das coisas que te ensinaram a não pensar.


As árvores são organismos geradores de energia.


Cada ser árvore tem sua própria linha evolutiva e quando adultas geram um campo de energia que fortalece a vida como um todo. Árvores adultas geram energia e poderiam nos proteger de certos entes parasitas que têm muito poder sobre a humanidade há alguns milênios.


Nós somos partes da Vida.


Não tecemos a teia da vida, somos apenas um de seus fios na vasta trama. E somos afetados por tudo que fazemos à Terra.  Tudo que fazemos à Terra fazemos a nós mesmos. Mas somos escravos, embotados e tornados robôs apenas para servir. Nosso orgulho e arrogância nos mantém distantes de qualquer possibilidade de percebermos nossas limitações. Nosso medo nos mantém distante da autoconsciência. 


Não nascemos assim.


Os mecanismos sociais como a família, a escola e a religião cuidaram para que nos tornássemos assim. É nisto que hoje essas antigas instituições, que um dia já foram caminhos para a conquista da autonomia moral e intelectual, foram transformadas. Em vetores do estado sonambúlico no qual somos mantidos usando o mínimo de nossas habilidades. As criaturas mágicas que somos, os viajantes da eternidade transformados em produtores e consumidores de futilidades. A observação atenta de nós mesmos nos permite reconhecer algumas das facetas dessa condição de escravizados e assim daremos o primeiro passo para nossa liberdade.


O reconhecimento de nosso estado real. Pois a melhor forma de manter alguém prisioneiro é mantê-lo ignorante desse estado. Vale aqui um antigo conto oriental narrado por Gurdjieff.


Um homem, possuidor de muitos poderes, tinha um grande rebanho. Este rebanho era a fonte de sustento, status e poder desse homem, pois em sua sociedade pastoril o tamanho do rebanho era o sinal do poder de seu possuidor. Mas tal rebanho era também a fonte de preocupações do mesmo homem, pois os carneiros fugiam, tinha que pagar muitos empregados e muitas vezes era roubado. Certo dia teve a ideia da solução. Reuniu todas as ovelhas numa garganta. Colocou-se num lugar do qual todas podiam vê-lo e ouvi-lo. Usando seus poderes hipnóticos convenceu a todos que ele era o Deus supremo, o senhor, o bom pastor que as conduzia por pastos verdes e fartos, sombras tranquilas e água fresca. Sempre seria assim. Elas eram ovelhas e mesmo quando parecia que ele as tosquiava impiedosamente e que, ao final, quando vinha degolá-las aquilo nada mais era que a passagem ao paraíso, perderiam o pesado e pecaminoso corpo e entrariam em espírito num estado de glória, onde a grama era eternamente verde e boa, a água sempre fresca, e nenhum lobo ou leão da montanha poderia neste céu entrar. Disse-lhes que eram imortais e que não precisavam se preocupar com nada, só em comer e beber para a plenitude do pastor. Mas para isso elas deveriam estar sempre onde ele mandasse e jamais ir com outros, esses sim o mal e a perdição. Após sua prédica ele observou por alguns dias o rebanho. Ficou satisfeitíssimo com o resultado. Despediu todos os pastores, só deixando um de guarda para o caso de ladrões. Nunca mais precisou arrumar nem mesmo a cerca.


O conto dispensa comentários. Fala por si só.


Assim como as ovelhas, precisamos sair desse estado hipnótico que nos puseram para podermos ser donos de nossas próprias vidas. E só podemos começar observando-nos, atentamente. Com calma, sem predisposições, só observar-se. Para perceber que o que chamamos de "eu" é um agregado. Um conjunto de jeitos de emocionar-se e pensar que reunimos dentro de um mesmo saco e chamamos esse saco de "Eu".


Uma analogia.


Você pega peças e as reúne. Cria um carburador, caixa de marcha, tanque, motor, sistema elétrico e tudo o mais. Quando coloca a bateria e enche o tanque você pode usar esse todo para levá-lo de um lado para outro. Chama o todo de carro. É algo concreto, ali, um carro, de um certo modelo, de um certo estilo. Com o tempo você pode trocar pneus, peças, como as células estão se renovando em seu corpo. Como troca de ideias, de emoções. Mas ao final o carro acaba, bate, enferruja, e vai embora, desmontado. Sobrou algo do carro? Suas peças podem ir para outros carros, seu material pode ser fundido e reaproveitado, mas aquele carro, aquele que você, às vezes, até deu um nome para ele, com o qual viveu tantas histórias, cadê ele? Pode haver um motorista no carro, mas digamos que a maioria dos carros sejam carros de frota, cada dia um pega para dirigir. O carburador precisa de limpeza, mas o motorista da tarde não sabe que o da manhã detectou essa necessidade. E muitos motoristas dirigem esse carro. Podemos criar condições para que um dono verdadeiro surja nesse carro, mas antes temos que saber que isso é possível.


Saber que podemos ter um Eu real faz parte das coisas que nos negam fazendo acreditar que já as temos.


E o mais importante, esse Eu real, essa individualidade nada tem a ver com a abordagem segmentada, egoica e dissociada que temos hoje do termo "eu". Como o consumidor mediano se crê num mundo livre por poder escolher a marca do seu aspirador de pó e do seu remédio para a cardiopatia que o ataca. Note que aqui estamos muito distantes do espiritualismo do senso comum que acredita que há uma alma em torno da qual o ser se forma.


Estamos usando o exemplo do carro não apenas para compará-lo com o corpo, mas com os campos emocionais e mentais, com os vários componentes, os vários jeitos de ser e pensar que amarramos no mesmo fardo e chamamos "eu". Esta consciência não pode ser apenas intelectual. Não adianta você ler isso. Você precisa meditar, por muito tempo e atentamente para perceber isso.


Todas as escolas trabalham com exercícios para que essa percepção seja possível. Portanto, seguir lendo este Trabalho e o compreender indica que você já trabalhou o suficiente para compreender que o que chamamos "eu" é um agregado. Algumas escolas falam de muitos "egos", outras de muitas "personalidades" (ver o texto "A medusa interior, os eus e a auto-observação").


Personas, máscaras que usamos para nos comunicar com o mundo. Quem é esse nós que se comunica? Quem usa as máscaras? Há uma unidade, algo, alguém? Ou são só fluxos, que focados sob a lente do presente parecem ser algo, parecem ter unidade e existência própria, mas são apenas momentos num fluir constante?


Não passe apenas por essas questões, pense nelas, visualize, pare, respire e leia de novo esta página. Várias Escolas tocam nesse ponto. Percebemos o mundo à nossa volta. E quando níveis mais amplos de consciência são atingidos, algo permanece existindo. A psicologia ocidental em quase sua totalidade só se interessa pelos estados outros de consciência que não o usual quando estes são patológicos, isto é, não integrados no indivíduo. Esquizofrenia, psicoses, neuroses, este é o campo que tais escolas lidam.


Escolas como a junguiana e a transpessoal são exceções importantes, que embora de forma tímida, dão os primeiros passos no estudo dos níveis alterados de consciência nos quais ela não se fragmenta ou descompensa, mas se amplia. De uma forma primária ainda chamam tais estados de transe, muitas vezes considerando-os ocorrência fugidias, como acessos que vêm e vão.


Mas outras escolas de psicologia mais sofisticadas como a budhista compreendem que existem outros estados de consciência e podemos não apenas incidir neles mas ampliar a tal ponto nossa percepção que um novo mundo se descortina aos nossos olhos, ampliado por podermos perceber mais. Um desses estados é conhecido como o estado de Arhat. Após um trabalho disciplinado o ser passa a interagir de forma mais consciente com o meio e assim ao invés de estados ilusórios passa a perceber o mundo como ele de fato é, com seus fluxos e mutações. Costuma-se dizer que o Arhat vê a essência das coisas e não apenas a superfície.


Todo Trabalho é realizado em etapas.


Em relação a energia por exemplo, como veremos mais adiante, é importante em primeiro lugar poupar energia, pois precisamos de energia para começar o Trabalho sobre nós mesmos. Em segundo lugar, é o momento de recanalizar a energia, reconhecer que os focos nos quais a energia foi anteriormente aplicada eram determinados pelo sistema que nos criou, o qual tem seus próprios fins, bem distantes da autoconsciência e do equilíbrio.


Finalmente, em terceiro lugar, aprendemos a potencializar e ampliar nossa energia, liberando-a dos pontos onde estava bloqueada e aprendendo a ampliar ainda mais a energia que possuímos.


Veja que tal sequência não é arbitrária, mas estratégica.


Se você potencializa a energia enquanto ainda a tem focada em um nível equivocado como a ira por exemplo, vai passar a ter explosões de ira muito mais fortes, sendo ainda mais vítima do desequilíbrio.


Em Escolas estruturais vamos notar que há essa divisão. 


Essência e personalidade.


Essência a parte interna, personalidade aquilo que desenvolvemos sob influência do mundo. A essência é a parte que pode crescer, desenvolver-se e ir além. A personalidade também cresce, desenvolve-se mas não vai além. Ela é o agregado. Ela se dissolve quando o corpo se dissolve. Simultaneamente ou durando um pouco mais, mas acaba por se dissolver. Ao final da vida o corpo entra em profunda entropia e se dissolve. Isso é um fato, observável diariamente.


Mais uma vez são ideias que exigem meditação e não quero que as aceite como verdades, vamos só considerá-las como hipóteses de trabalho.


Pensemos juntos sobre uma vida. Desde o início biológico da vida (desculpe a redundância). Um óvulo e um espermatozoide se encontram. Após um período os núcleos de fundem. Cada uma daquelas células traz um material que passou por infinitas combinações até chegar ali.  Um homem, uma mulher, filhos de um homem e uma mulher, cada um deles filho de mais um casal que por sua vez... E assim vai para cada uma dessas células germinativas. Aquele material nuclear vai agora criar um novo ser.


Vindo das antigas eras aquele material veio se misturando e misturando e agora ali está. A célula-ovo vai se dividir, dividir, suas células vão se especializar, e da mesma célula-ovo teremos desde um ultra especializado neurônio até uma célula da pele, com grande poder de regeneração. Após um período de vida intrauterina nasce o ser.


Ele vai crescer e desenvolver sua habilidade de compreender o meio e de se fazer compreendido por ele. Todas as complexas fases de desenvolvimento da inteligência. Hoje sabemos que existem fases nesse desenvolvimento, onde pouco a pouco o ser vai se descentrando e aprendendo a relacionar-se com o meio. A criança limita o mundo a suas próprias relações, como um crente primitivo limita a divindade a um pai que o protege, abençoa ou castiga. A cada fase vai ampliando suas habilidades, abandonando um pensar pré-operatório e aprendendo a lidar com ideias mais complexas.


Raramente aprendemos a pensar, embora teoricamente a educação devesse nos conduzir à autonomia moral e intelectual. Nós saímos da escola dependentes da opinião de outros e raramente com nossas habilidades dedutivas, indutivas e analógicas desenvolvidas.


Vou dar um exemplo.


Uma criança na fase de alfabetização escreve /muinto/ em uma composição de texto. Via de regra o professor lê, risca em vermelho, diz que está errado e mostra que o ‘certo’ é /muito/. Assim a criança registra: "A autoridade diz que este é o certo, devo obedecer". Não há aprendizado, há apenas reforço da heteronomia.


Outra situação:


Ao invés de "corrigi-la’’ o professor deixa a criança com seu raciocínio, que não é "errado" pois ela escreveu conforme ouviu, houve um ato inteligente ali. Mas o professor pode então expor à criança a textos onde ela depare-se com /muito/ escrito na grafia vigente. Surgirá o questionamento. Nessa situação ideal, felizmente já presente em algumas poucas escolas, o professor poderá dizer:


- "Você escreveu do jeito que ouviu. Tudo bem. Mas a escrita social, aquela que as pessoas adotam e que você precisa usar para se fazer entender, nesta escrita é assim, /muito/."


Outro universo de resultados. A criança aprendeu que existe uma escrita social, que não é a CERTA mas a aceita convencionalmente por todos. Ela não reforçou sua heteronomia aceitando apenas a autoridade do professor, mas foi levada a perceber a necessidade de uma escrita convencionada para o contato em sociedade. Vai aprender sobre convenção.


A malha neural, as sinapses que se ativam nesse caso são muito mais amplas que as simples conexões "certo" e "errado" determinadas pela autoridade do professor. A maioria de nós não foi educada como no segundo caso. Portanto, tivemos reforçada a heteronomia e a crença em certos e errados absolutos. Não nos ensinaram a pensar, mas sobre o que pensar e como pensar. Nossa educação ainda foi impregnada dos mesmos valores que geraram a Inquisição e os regimes totalitários.


Portanto, antes de falarmos de transcendente temos que compreender que não atingimos nem mesmo o ápice do imanente. Temos que ter um desenvolvimento verdadeiro dessas nossas habilidades pensantes se queremos entrar em outros campos, em outros mundos e elaborá-los num todo coerente e equilibrado. Temos que nos descondicionar, ir além dos limites onde nos colocaram.


Os Xamãs consideram que não somos pensadores de fato, vivemos na periferia do pensar, ruminando alguns conceitos prontos que nos impuseram. Se queremos realmente ir a algum lugar temos que ir ao centro do pensar primeiro, compreender de fato o que é essa faculdade e o poderoso escudo que ela é para podermos enfrentar o desconhecido que nos envolve sem sucumbir a ele. Perceptualmente podemos dizer que estamos dentro deste (pequeno) círculo (do pensar).



Tudo o que percebemos está aí. Tudo com o que lidamos. Podemos chamá-lo de bolha de percepção. Existem muitos elementos dentro desta bolha. Mas nós só fomos estimulados a perceber alguns desses elementos. Chamamos a totalidade de nossa capacidade de perceber a realidade. Potencialmente, poderíamos perceber muito mais, mas estamos limitados. Vindas de fora influências das mais diversas sensibilizam o ente perceptivo no centro da esfera.


Mas a percepção acaba decodificando sempre de acordo com os itens que dispõe.


Assim um ser de outro mundo que, passa por nós em um campo, pode ser decodificado apenas como um vento estranho, uma presença que por alguma razão se faz perceptível de repente, é um vulto. Um ente das montanhas pode ser visto como um monstro, algo que nos assusta.  Um ente da terra, que muitos chamam de gnomo, vai ser visto em roupas de lenhador da Idade média, porque a percepção está presa em formas e padrões.


Decodificamos com base naquilo que temos já registrado. Apreender o mundo como xamã é apreender um novo conjunto de referenciais, os quais também estão dentro desta mesma bolha, mas nunca foram estimulados, nunca foram valorizados, por fazerem parte de outra descrição do mundo. Mas ainda aqui há um limite. Não estamos percebendo diretamente, estamos ainda decodificando. Assim podemos ver o ser de outro mundo com formas, mas ainda assim não é ele em si, é o resultado de uma interpretação.


Por esta razão os Xamãs perceberam que perceber a energia diretamente no seu estado natural, como ela flui no universo era a manobra a ser realizada para sairmos do terreno pantanoso da aparência e notar o que de fato estava em contato conosco.


Dizendo de outra forma: ao invés de usar uma forma para decodificar o que estamos percebendo, quer fosse a forma cotidiana, quer fosse a forma dos magistas, deveríamos ver diretamente a energia em sua condição original. Ir além das descrições de mundo que nos deram e perceber a energia diretamente.


Este é o longo e árduo treinamento que acredito ser o necessário para um trabalho real. Treinar ver a energia diretamente, como ela flui pelo universo. 


Meditar é o começo de tudo. 


Observar, sem interferir, observar. Tudo à sua volta. A si mesmo.


Com a prática constante você vai aprender a desgrudar a personalidade da essência.


Somos uma essência perceptiva.


Percebemos.


Entretanto percebemos algo que decodificamos.


Interagimos com algo que nos faz conscientes.


Assim há algo sendo percebido, mas o que nos aparece, a nossa consciência, não é o que é percebido, pois já foi adaptado ao nosso condicionamento social. A tradição que estou estudando em vários de seus caminhos, propõe uma linha de procedimentos para voltarmos a perceber a energia diretamente.


Em primeiro lugar abandonar a falsa dualidade corpo-mente. Há uma dualidade mas essa dualidade se expressa entre o corpo físico e o que poderíamos chamar de corpo de energia. Mente, emoções, tudo isto está dentro do campo do corpo físico. O corpo é uma vasta teia de sistemas inter-relacionados. Para os xamãs, em nossas células de todo o corpo, e não apenas no cérebro, estão todas as lembranças que temos, as emoções que sentimos.


A outra parte da dualidade seria o corpo de energia, nosso ser luminoso, que tem existência mas não massa. Podemos dizer que o corpo físico é nosso corpo orgânico e o corpo de energia é nosso corpo inorgânico. Assim como o corpo físico nasce e precisa ser alimentado e cuidado para crescer, treinado para desenvolver plenamente suas habilidades, também o corpo energético precisa dos mesmos cuidados. A diferença é que o corpo energético plenamente desenvolvido pode continuar mesmo depois da dissolução do corpo físico.


Este ponto fundamental mostra a importância que os xamãs deram a este tema. Por observação direta eles viram que a vida e a consciência estavam emaranhadas, entretanto num certo momento forças tremendas tomavam de volta algo que haviam nos dado no começo de tudo:


A consciência.


A consciência é dada a cada ser, do vírus ao ser humano, no momento da fecundação (no caso deste último) para ser enriquecida pelo ato de estar vivo. Depois, num certo momento, ela era tomada de volta. A descoberta revolucionária dos xamãs foi perceber que a energia vital não era tomada junto. Apenas estava tão enredada na consciência que acabava se desfazendo quando a consciência voltava para sua fonte.


Foi então que os xamãs descobriram algo realmente determinante. O ente perceptivo existe durante a vida por identificar-se e projetar-se na consciência. Mas pode, paulatinamente, desenvolver a consciência de si mesmo. Como diria G., todo choque é um dó em si mesmo, e todo dó contém em si uma oitava.


Assim o ente perceptivo, que reage à consciência enriquecendo-a através das experiências vividas, pode ao final ser consciente de si, abrir mão da consciência recebida da Fonte e ainda assim manter sua força vital e sua individualidade o suficiente para aceitar uma outra conscientização, vinda da mesma Fonte.


Deixaria de ser um ser orgânico, se tornaria um ser inorgânico.


Para os xamãs este seria o próximo passo evolutivo possível ao ser humano. 


Uma mutação de faixas de consciência.


A consciência humana, mesmo em seus aspectos mais poderosos e amplos, desconhecidos totalmente pelas pessoas hoje, seria abandonada e outra possibilidade de consciência seria atingida, um outro nível de realização.


Dois caminhos surgiram a partir desta percepção.


Em outro caminho o ser transmigra com sua essência perceptiva para o corpo de energia e continua existindo após a morte do corpo físico.


Mas tal manobra se revela limitada com o passar das eras.


Mas há outro caminho, muito mais ousado.


Entrar num estado de consciência plena e incendiar-se de dentro para fora.  Um caminho trilhado pelos que entenderam essa possibilidade e, assim, ao final da vida, abandonam totalmente a consciência tanto do mundo cotidiano, como de tudo aquilo que podemos chamar de transcendente, espiritual ou qualquer nome que se dê aos mundos que nos circundam, mas podem ser acessados em outros estados que temos como potenciais dentro de nós mesmos.


Devolver a consciência para a Fonte, mas juntar a fisicalidade do corpo orgânico ao corpo inorgânico.


Transferir a energia vital para o corpo de energia enquanto ela ainda está plena, íntegra.


E tomar emprestado outro tipo de consciência, assim como ganhamos essa ao nascermos.


Note que no primeiro caso a energia vital continua se dissipando junto com a morte do corpo, no segundo não.


Essa manobra permite que algo aconteça. Surge então um novo ser. Um ser que poderá continuar por bilhares de anos a viagem que é nossa vida. Como tal estado é impossível de ser descrito vamos apenas citá-lo como meta e vamos nos envolver nos meios para atingi-lo.


Para podermos vislumbrar o Infinito que nos envolve temos que ter equilíbrio. Se a bolha dentro da qual existimos se rompe de uma vez podemos nos diluir antes de termos criado um eixo real e assim ficaremos vagando por sensações indefinidas. Há um velho símbolo para o trabalho sobre nós mesmos.


Dividir a bolha.


                                

Em uma metade rearranjamos tudo o que somos enquanto entes presentes nesse mundo. Em uma metade reorganizamos nossa vida e nossa forma de lidar com o mundo, dentro de parâmetros estratégicos, focados e fortalecedores.


Mas substituímos alguns itens.


Como, por exemplo, podemos deixar de reagir a nossa importância pessoal e a nossa arrogância e ficarmos mais sensíveis ao fato de que somos mortais e efêmeros. E o outro lado da bolha fica vazio. Sem preconceitos, nada. Vazio e silencioso para a partir dele podermos vislumbrar o Infinito. Assim veremos o outro mundo como outro mundo, não apenas uma projeção do que aqui vivemos.


Não reduziremos o Infinito aos nossos limites. Você já deve ter visto aquelas gravuras de realidade virtual. As mais populares são as feitas pela "N. E. Thing Enterprises". Na maioria delas, você vê um quadro com muitas cores e formas desconexas, mas quando você envesga os olhos do jeito certo, a mágica acontece e um desenho tridimensional salta, literalmente, aos olhos.


O truque é conseguir envesgar os olhos, isto é, conseguir que cada olho veja de certa forma, separadamente, assim o efeito acontece. Para uma pessoa que não consegue ver dessa forma pode ser difícil acreditar que exista o que os outros estão falando naquela página, para ela um amontoado de cores em padrões simétricos. Alguém muito desconfiado poderia afirmar que nada do que estão dizendo existe, que é tudo uma farsa, uma armação dos que dizem estar vendo algo. Parece bobo esse raciocínio, no entanto fazemos isso vezes sem conta em nossa vida. 


Por não conseguirmos perceber o que os(as) Xamãs percebem apenas negamos. Por não termos condições de ver as outras realidades que existem simultâneas com a nossa, devido ao fato de não termos sido treinados na maneira adequada de olhar, de perceber, passamos a dizer que qualquer outra experiência que extrapola nosso limitado senso comum é falsa. Confusos e arrogantes trocamos os termos e onde deveríamos dizer:


"Não compreendo", 


dizemos: 


"Não acredito".


Outros esperam que os que vêem lhes digam o que há na gravura. Aí podem dizer que estão vendo, quando na realidade não estão. Há os que vão na última página e decoram o que deve estar em cada gravura. E há sempre os que após não conseguirem desistem e dizem que aquilo é coisa para quem não tem o que fazer.


É interessante observar as diversas reações das pessoas frente a este fato. Durante muito tempo levei livros desses para festas, na época em que ainda eram novidade e fiquei observando as reações. E notei que frente ao Trabalho as pessoas se portam de forma similar. Bem poucas têm disciplina para insistir, insistir e procurar novas formas, confessar que não conseguem, insistir de novo. Humildade para aprender. Muitos desistem, outros tentam enganar, apenas para não admitir que não entendem nada.


E se formos sinceros a primeira sensação de quem realmente se observa é a percepção de que ignora, de que desconhece, pois robôs em seu estado natural nada sabem, apenas processam dados por outros impostos. A arrogância é uma das melhores trancas que colocaram nas modernas correntes com as quais nos limitam. E a vaidade o resistente cadeado. Existem alguns temas que aceitamos sem a devida análise.


Um deles é a ideia de que os seres humanos são especiais, a parte de toda a criação, o ápice e a razão de ser do cosmos. Tal ideia nos coloca em condições bastante desfavoráveis. Sim, pois tais delírios megalomaníacos nos impedem de perceber nossa real condição e deixamos de lutar e trabalhar por coisas que poderíamos ter, como uma alma e imortalidade, por julgarmos já as possuir.


Este é o ponto no qual fica mais clara a diferença entre as Escolas ligadas ao Trabalho e aquelas que embora busquem algo maior ainda estão presas ao paradigma da época. Faz parte do paradigma desta época dotar o ser humano de uma alma imortal. Assim todos os ditos "ocultismos" e "esoterismos" da moda partem deste princípio.


E consideram que as grandes revelações esotéricas estão no falar sobre outros mundos, ou contar sobre cosmogênese, antropogênese, citando antigos textos mas sem entender a chave que transformaria a letra morta em informação viva. Ao lado da ideia de um deus antropomórfico, a imagem e semelhança do homem criado, são as ideias que mais distanciam do Trabalho.


Estes textos foram feitos para aqueles que já passaram por estas fases e de fato compreenderam que não temos uma alma imortal, mas podemos criá-la. Aliás, é este o principal Trabalho de cada escola ligada à Tradição. Fornecer os meios para que cada ser gere em si a alma para buscar a imortalidade. Para evitar quaisquer confusões religiosas preferimos adotar a designação: "Corpo de energia", principalmente pelo fato de ser exato esse termo.


É um corpo, mas de energia.


Tenho estudado com atenção e praticado algumas tradições. Taoísmo, Budhismo, a linhagem apresentada por Gurdjieff e o Xamanismo Tolteca. Em todas essas linhagens encontro as mesmas ideias. Atualmente tive acesso a taoístas que me mostraram ser o Taoismo profundo também possuidor dessas mesmas idéias. E em escolas como Teosofia e rosacrucianismo pude encontrar aspectos das mesmas ideias, mas transformadas pelo contato com as influências mecânicas do cotidiano, entretanto as ideias bases estão lá.


Eu vou usar no decorrer deste trabalho a terminologia de duas escolas. A escola Gurdjeffiana e a Escola Tolteca.


Sou, entretanto, consciente que tais escolas, especialmente a Gurdjieffiana já foi muito deturpada e mecanizada, pois era um trabalho para um tempo-espaço específico. Mas certas idéias que ela traz são válidas ainda hoje (e ainda hoje podem se encontrar grupos sérios ligados ao Trabalho de G.).


Assim ficará mais claro esse trabalho aos que já estudam tais caminhos, embora os termos usados possam ser compreendidos por outros estudiosos também. Este não é um trabalho de introdução, volto a repetir. É dedicado àqueles que tenham estudado e, o mais importante, praticado tais caminhos por algum tempo. Nada substitui a experiência. O viver. É uma exposição sobre as impressões que tive ao trilhar tais caminhos. Não é também achismo, é um relato de viagem, daquilo que na minha jornada percebi. Uma jornada na qual ainda me encontro, a cada inspirar e expirar e no espaço entre.


O começo de todo o Trabalho é através da auto-observação. A partir da observação de si mesmo, aquele que estuda começa a perceber que o mundo tal qual o vemos é fruto de uma descrição da realidade, com a qual concordamos, sem nunca perceber profundamente as implicações profundas dessa concordância. É um passo fundamental compreender que o mundo tal qual o conhecemos não é a realidade final, mas uma descrição que nos foi dada e com a qual concordamos. Vivemos a cumprir compromissos com os quais nada temos a ver, resgatamos acordos feitos por outros.


Segundo os Xamãs nosso centro energético responsável pela nossa capacidade de tomar decisões (o chamado ponto V da Tensegridade) foi enfraquecido e assim, como não temos energia para tomar decisões criamos os organismos sociais, as instituições, que decidem tudo por nós. Aquele que se liga ao Trabalho vai em primeiro lugar recuperar sua capacidade de fazer.


Este é outro ponto polêmico.


O fato de que no estado natural não somos capazes de fazer, que tudo acontece em nossas vidas, é rejeitado com tal veemência que em tal rejeição mostra, a meu ver, a verdade neste argumento. Mais uma vez só a observação apurada de si poderá demonstrar que durante nossa vida as coisas acontecem, raramente agimos, raramente fazemos.


Reagir não é agir.


Estar presente no aqui e agora é a condição básica para agir. E quanto do dia estamos realmente presentes? Faça o teste. Observe-se. Você está aqui e agora, lendo este texto. Qual sua postura, onde está sua mente, o que sente? A ilusão da mente é apontada em muitas escolas como o Zen, onde há um célebre diálogo no qual o aprendiz vai ao mestre e diz:


"Mestre me ajude a acalmar minha mente".

O mestre responde: "Ache sua mente e a traga aqui para mim que a apaziguarei".

"Mestre, não acho minha mente." 

O mestre sorri: "Viu, já a apaziguei".


Como está sua respiração? 

Não tente controlá-la só senti-la.

Que sons chegam aos seus ouvidos?

Quais suas percepções táteis, olfativas, gustativas?


O ramo zen do budismo tem exercícios interessantes onde em atos simples, como cuidar de um jardim ou limpar uma casa, cada mínimo momento, cada gesto, é um exercício da presença. É este o exercício, sair do pântano das divagações e voltar a focar-se aqui e agora, onde de fato estamos.


Se você começar a praticar tais exercícios de estar aqui e agora, perceberá que consegue manter por alguns instantes sua atenção no momento e em si, mas depois de alguns instantes você divaga e se dilui.


Não há um momento mais importante do que outro. Cada instante é pleno de significação. Fomos alimentados de um vício, o que buscamos está sempre no futuro, um dia vai chegar e perdemos nessa ilusão a única realidade: O tempo presente. O aqui e agora!


Como já disse parto do princípio que você seja já um(a) praticante desses exercícios, assim notado terá que por vezes durante um dia todo temos minutos de presença e a maior parte do tempo passamos diluídos. E aqui temos um critério válido para avaliar nosso progresso no Trabalho. Quanto mais tempo estamos aqui e agora, presentes, mais estamos de fato sendo e não apenas existindo.


E o trabalho é o trabalho sobre o Ser.


O Ser é dinâmico.


Uma das coisas que nos impede de descobrirmos nosso ser verdadeiro é nossa história pessoal. Um conjunto de lembranças que possuímos somadas a imagem que o meio nos levou a construir de nós mesmos. Existe um filme no qual um agente de uma organização sabe muito sobre a mesma, mas quer se afastar. Assim fazem uma lavagem cerebral nele, levam-no a esquecer todo seu passado, "implantam" uma nova história para sua vida e o mandam para outro lugar onde ele vive feliz e mais ou menos tranqüilo com as "memórias" nele implantadas. Vale pensar sobre isso. Me parece uma analogia terrível para nossas vidas.


O caminho dos xamãs Toltecas apresenta uma forma de lidar com o Trabalho que considero genial. Há três tarefas básicas aqui para poder lidar com a história pessoal e diminuir seu poder sobre nós.


A primeira delas é ter a morte como conselheira. Enquanto nos considerarmos seres imortais não saberemos transformar nosso tempo aqui em poder. Um ser imortal tem todo o tempo do mundo. Não precisa se esforçar, não precisa trabalhar arduamente. Fará em outra vida aquilo que não fizer agora. Assim só a ideia de que a morte é nossa companheira de estrada e que a qualquer instante pode nos tocar e acabar com tudo dá aos nossos atos o poder que faz de nosso viver um tempo mágico. Esse conceito vai totalmente contra os modernos conceitos "new age" que afirmam ser a morte apenas uma passagem, um trocar de roupas, como um mergulho num lago frio e depois tudo continua.  Isso pode levar a uma vulgarização do instante. Cada instante é único e conta muito.


O segundo procedimento é perder a importância pessoal e aqui temos um dos maiores desafios para nós contemporâneos, estimulados a ser arrogantes e prepotentes como forma de se defender e se colocar no jogo social. É um grande momento quando se percebe que a importância pessoal é a autopiedade disfarçada. Sim, só a pena de si mesmo levaria o ser humano a criar a imagem de importância que tem sobre si, para se defender do nada que sabe ser frente ao Todo.


Assumir a responsabilidade pelos atos é o terceiro ponto. Quando assumimos que estamos sós neste vasto mundo e que podemos morrer a qualquer instante, não há tempo para hesitações. Nos tornamos donos de nossas decisões e esse é o poder que de fato temos. Quando tomamos uma decisão ela tem que ser final. Cada momento é resolvido em si mesmo.  Isto leva a um desdobramento interessante. 


Fomos criados para agir em busca de alguma recompensa. Isto gera dependência de recompensas. Quando percebemos que podemos acabar a qualquer instante, um novo estado de ser pode surgir. 


Agir por agir, atuar sem esperar recompensas além do próprio prazer de agir é uma nova forma de encarar as situações que gera uma nova energia a quem assim procede. Todas essas linhas de ação não são princípios, regras ou comportamentos ditados por razões morais.


São comportamentos estratégicos que permitem a percepção se libertar das amarras do senso comum da época, economizar e recanalizar a energia que antes estava sendo utilizada para manter o estado de consciência padrão da civilização dominante.


Lembrar-se de si mesmo e não identificar-se, dizem os adeptos do 4º Caminho. Estar no mundo mas não ser dele, dizem os Sufis. Só na prática é possível entender tais conceitos, só na prática cotidiana, constante e árdua eles se mostram em todo seu valor, abrindo novas reservas de energia aos que assim procedem. E é tal energia que vai permitir ao Trabalho ter sequência. Pois este é outro ponto fundamental.


Somos a energia que temos, e só podemos realizar se temos energia para isto.


E como a energia está inicialmente diluída em nossos condicionamentos e limitações só trabalhando os nossos estilos de agir, sentir e pensar libertando-os de seus desequilíbrios poderemos ter energia para ativar outros níveis de percepção que nos permitam ter acesso ao Trabalho.


E só começando pela auto-observação podemos detectar tais drenos de energia.


Existe uma frase colocada por G. que choca os incautos e tenho certeza será um segundo filtro neste nosso tratado, afastando definitivamente dele aqueles de ‘estômago’ mais fraco: "O verdadeiro trabalho é contra Deus".


Como já disse, anteriormente, que este estudo é para aqueles(as) que já estão avançados em seus estudos, então, vamos nos aprofundar nessa colocação. A Natureza trouxe o ser humano até este ponto e aqui o mantém pois é nesse estado que o ser humano serve aos propósitos naturais. O ser humano, tal qual toda a vida orgânica, tem um papel a desempenhar no esquema da natureza e assim sendo nosso organismo foi desenvolvido até o ponto em que possa tal mister realizar.


Deus²


Este termo tem um peso enorme em nossa cultura. Em nome de deus todo ditador diz estar agindo e pede sua benção e proteção antes de se lançar ao extermínio de milhões. Em nome de deus personalidades admiráveis de nossa história realizaram obras de grande alcance no minimizar os problemas humanos. Assim o termo deus é usado indistintamente para justificar desde os atos mais sublimes até as mais profundas atrocidades. Num estudo sério, olhando para nossa história conhecida de forma consciente perceberemos que mais atrocidades foram cometidas em nome de deus que em nome do diabo.


Para as escolas que estamos estudando a crença em um deus antropomórfico, criado à imagem e semelhança do homem, um pai, um pastor é uma questão muito séria. Sim, pois muitos colocam sua energia pessoal e única neste conceito vazio. Quando você é criança tem sempre um adulto por perto, sempre alguém que vai lhe socorrer em caso de necessidade, ou mesmo que seu choro ou grito seja apenas manha. Assim criamos a ideia que sempre alguém vem nos salvar.


Quando crescemos, descobrimos que nem sempre há alguém ao nosso lado para nos salvar, para nos socorrer. E então surge uma carência enorme, um vazio que na maioria das vezes é suprido com o "papai do céu", com o "mestre", com o "partido", enfim, sempre arrumamos alguma coisa para colocar nesse papel de nosso salvador.


É muito difícil que alguém naturalmente assuma sua condição de ser solitário sem buscar tais muletas. Diariamente as pessoas são confrontadas com as falácias de suas crenças, momentos nos quais fica evidente que estão sós e que não há este ente protetor. Ônibus de crentes voltando de seus cultos, cantando "ungidos" com o espírito de deus e que desabam numa ribanceira ou batem matando a maioria dos que ali estão. Assim, incapazes de lidar com tais evidências criou-se a ideia de que deus testa seus fiéis. Os faz sofrer miseravelmente, mas depois recompensa os que servilmente tudo aceitaram, com um céu de eterna beatitude. Note que a crença num paraíso posterior, numa recompensa em outro mundo é um dos aspectos chaves da maioria dos cultos a deus. Frente as incongruências que a realidade apresenta, frente ao fato de que muitas vezes o incontrolável da existência é muito mais evidente que as pretensas crenças num deus onipresente atuando a favor dos "eleitos", é importante a ideia de que a verdadeira recompensa está além, noutros mundos, obviamente não investigáveis. Repare que uma das grandes forças para tal idéia de deus vem de sua "palavra viva". E o que é essa palavra viva de deus, algum lugar misterioso onde essa presença se faz ouvir por todos que ali cheguem, sem nenhum veículo? Não, um livro, um livro escrito por seres humanos e usado por muitos impérios no decorrer da história para justificar seu próprio poder .


Este tema é muito amplo e exige uma profunda capacidade de reavaliar o que nos obrigaram a aceitar. O coloco aqui como "teste iniciático". Quem não entender que estamos indo contra o conceito usual e não contra a noção de algo transcendente que permeia a existência vai ficar chocado e se retirar.

 

É um tema muito delicado pois está sedimentado em camadas profundas de nossa psique e choca profundamente quando abordado pela primeira vez. Mesmo aqueles capazes de investigar com clareza muitos campos se sentem algo temerosos ao adentrar tal campo de questionamento. Por isso nos dedicaremos nesse capítulo a um estudo desta questão, nada que represente uma opinião final, mas pistas através das quais poderá você que pensa permitir-se avaliar este que é um dos paradigmas básicos da cultura contemporânea.


Blavatsky quando explicava o termo Teosofia sempre insistia que o "Teo " ao qual ela se referia não era um ser, uma entidade antropomórfica, que criou o céu e a terra, descansou no sétimo dia e depois ficou alcoviteiramente a vigiar e a julgar os seres humanos, servindo de avalista aos despropósitos, daqueles que se auto-intitulavam seus legítimos representantes, realizados em nome de deus. A Inquisição, Hitler e tantos outros sempre agiram em nome de deus. Mas quando entramos nas chamadas linhas espiritualistas o que dizem? Deus é amor. Deus é um princípio , uma energia que criou o céu e a terra e tudo que neles há. Esse papel criador é também questionado. Aliás, a própria Blavatsky chama atenção para isto. Ela liga o "Teos" a Tein, movimento, manifestação.


Aos estudiosos fica claro que o próprio termo usado pelos maçons: "Arquiteto do Universo" indica que tal força arquiteta, mas quem cria são outras hierarquias. No plano que estamos estudando é interessante notar que existe uma diferença entre os que creem num deus criador e a abordagem de muitos ramos que falam da existência  emanar da não existência. É muito importante entender esta questão. É totalmente diferente falar de uma entidade que cria um mundo e de uma força, uma presença da qual o mundo emana.


Um conceito antropomórfico de deus, como os dos povos simples do Egito ou da Babilônia, que acreditavam que as estátuas, expressando princípios cósmicos, símbolos sofisticados para os iniciados nos mistérios, eram elas em si a imagem de deuses e deusas os quais iriam por eles interceder. Algo similar seria pegar um livro de receita de bolo, ficar a lê-lo sem conseguir os ingredientes, sem executar o ato de preparar o bolo, ficar apenas falando sobre e acreditar que no final o bolo vai surgir. Todos os livros sagrados eram manuais onde os iniciados deixaram seu conhecimento expresso em símbolos, mas traduzidos apenas na letra que mata perderam o espírito. Em muitas cosmogonias é representado o Todo por um dragão que em certo momento bota um ovo e desse ovo surge o mundo.


Note você que está acompanhando com atenção ao aqui exposto que não estamos caindo na negação de algo mais amplo, algo maior, um inefável poder. Estamos questionando esse deus antropomórfico criado à imagem e semelhança do ser humano, com suas limitações e medos, sua agressividade e falhas. É interessante notar que para a maioria das pessoas cultas e informadas o monoteísmo é uma evolução nobre do pensamento humano.


Os "pobres e ignorantes" primitivos viam a divindade em tudo, em toda parte e a identificavam de acordo com sua manifestação, na chuva, no trovão, na terra ou nas montanhas, viam eles aspectos da divindade, do todo.


Então vem o monoteísmo e diz que só existe um deus, um antropomórfico deus que é externo a tudo, que dirige o mundo de fora, que exige adoração, que castiga, que pune, que tem uma vontade curiosamente conivente com os poderosos de plantão. A Natureza é criação, não mais parte “dele”, e nós somos criaturas, logo não mais parte direta. Assim a exploração do mundo e de um ser humano pelo outro se torna justificável. Haverá um paraíso nos esperando, continuem a destruir o mundo, é essa a última consequência da ética protestante que impulsiona o capitalismo. E o mundo cada vez mais à beira da destruição. E isto é considerado evolução. 


À medida que compreendermos os jogos de poder nos quais os poderosos estão envolvidos fica também mais claro o papel desse deus antropomórfico. E, então, compreendemos que o Trabalho é libertar-se. Tornar-se, de fato, capaz de agir e não apenas reagir impulsionado, impulsionada, por esta pilha de programações atávicas que recebemos. E para começar esta vasta jornada a observação de si, no cotidiano, a cada instante é o caminho recomendado. Perceber-se a cada momento, para descobrirmos quem de fato somos e onde estamos e, então, sobre estas bases reais começar o Trabalho.


Notas


¹ Ver, por exemplo, o trabalho do Dr. Sam Osmanagich, pesquisador bósnio, especializado em pirâmides, estruturas que estão espalhadas por todo o planeta, fator indicador de uma sociedade global, algumas delas com mais de 10 mil anos, construídas com uma tecnologia impensável para aquela época dentro dos paradigmas da ciência acadêmica atual. Um dos achados arqueológicos importantes do Dr, Sam Osmanagich é a pirâmide do sol na Bósnia: https://www.youtube.com/watch?v=oHAUQSuSBIc&t=8s


² No livro Fogo Interior, no capítulo relativo ao Molde do Homem, vemos uma abordagem interessante de Don Juan sobre a palavra deus: “Afinal, nós seres humanos somos na realidade bem pouco; somos, em essência, um ponto de aglutinação fixo em certa posição. Nosso inimigo e ao mesmo tempo nosso amigo é nosso diálogo interno, nosso inventário. Seja um guerreiro; desligue seu diálogo interno; faça seu inventário e depois atire-o fora. Os novos videntes fazem apurados inventários e depois riem deles. Sem o inventário, o ponto de aglutinação torna-se livre. Dom Juan lembrou-me de que havia falado bastante sobre um dos aspectos mais inflexíveis de nosso inventário: nossa ideia de Deus. Esse aspecto, disse, é como uma cola poderosa que prende o ponto de aglutinação à sua posição original. Se eu pretendesse aglutinar outro mundo verdadeiro com outra grande faixa de emanações, tinha de dar um passo obrigatório a fim de afrouxar todos os laços do meu ponto de aglutinação.






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