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quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Há duas espécies de amor.




Há duas espécies de amor.

Um é o amor de escravo.

O outro deve ser adquirido pelo Trabalho.

O primeiro não tem valor algum; só o segundo, o amor que é fruto de um trabalho, tem valor. É o amor que todas as religiões falam. Se você amar, quando "isso" ama, esse amor não depende de você e não haverá nenhum mérito nisso. É o que chamamos de amor de escravo.

Você ama até mesmo quando não deveria amar. As circunstâncias fazem-no amar mecanicamente.

O verdadeiro amor é o amor cristão (Gurdjieff emprega esse termo em seu sentido original e não no sentido corrente), religioso; ninguém nasceu com esse amor.

Para conhecer esse amor, você deve trabalhar. Algumas pessoas sabem disso desde a infância; outros só o compreendem numa idade avançada. Se alguém conhece o amor verdadeiro, é porque o adquiriu ao longo da vida. Mas é muito difícil aprender isso. É impossível começar a aprendê-lo diretamente com as pessoas. O outro sempre nos toca vivamente, põe-nos em guarda e nos dá pouquíssimas chances de tentar.

O amor pode ser de diferentes espécies. Para compreender de que tipo de amor falamos, é necessário defini-lo.
Neste momento, falamos do amor para a vida. Em toda a parte onde haja vida, a começar pelas plantas e pelos animais, numa palavra, em toda a parte onde exista a vida, há amor. Cada vida é uma representação de Deus. Quem puder ver a representação, verá Aquele que é representado. Cada vida é sensível ao amor. Mesmo as coisas inanimadas, como as flores, que não tem consciência, compreendem se você as ama ou não. Até a vida inconsciente reage de uma maneira diferente diante de cada homem e faz eco as suas reações.
O que você semeia você colhe; e não apenas no sentido de que se você semeia trigo colherá trigo. A questão é como você semeia.
O trigo poderá tornar-se literalmente palha. Na mesma terra, pessoas diferentes podem semear as mesmas sementes e os resultados serão diferentes. Mas estas são apenas sementes. O homem certamente é muito mais sensível ao que é semeado nele. Os animais também são muito sensíveis, embora menos que o homem. Por exemplo, X. tinha sido encarregado de cuidar dos animais. Vários deles adoeceram e morreram, as galinhas punham cada vez menos, e assim por diante. Mesmo uma vaca dará menos leite, se você não gostar dela. A diferença é realmente espantosa. O homem é mais sensível do que uma vaca, mas de modo inconsciente.

E se você experimentar antipatia ou ódio, por uma pessoa, será apenas porque alguém semeou algo de mau em você.

Aquele que deseja aprender a amar o próximo deve começar tentando amar as plantas e os animais.
Quem não ama a vida não ama a Deus.
Começar tentando logo amar um homem é impossível, porque esse homem é como você, e, em resposta, o atacará. Um animal, no entanto, é mudo e se resignará tristemente. Eis porque é mais fácil se exercitar primeiro com os animais.

Para um homem que trabalha sobre si mesmo é muito importante compreender que só se pode operar uma mudança nele se ele mudar de atitude em relação ao mundo exterior. 

Geralmente você não sabe o que deve ser amado e o que não deve ser amado, porque tudo isso é relativo; em você, uma só e mesma coisa vai ser amada e não amada, enquanto objetivamente há coisas que devemos amar ou não amar. Daí por que, praticamente, é preferível deixar de pensar no que você quer chamar de "bom" ou "mau" e só agir quando tiver aprendido a escolher por si mesmo. 

Agora, se você quiser trabalhar sobre si mesmo, deve desenvolver em si diferentes atitudes. Não comece pelas coisas grandes, que são inegavelmente reconhecidas como más; exercite-se desse modo:
se amar uma rosa, tente não amá-la; e se não a amar, tente amá-la.
É melhor começar com o mundo das plantas. A partir de amanhã, tente olhar as plantas como nunca as olhou ainda. Cada um de nós é atraído por certas plantas e não por outras. Talvez ainda não tenhamos notado isso. Você deve olhar primeiro a planta, depois trocá-la por outra, observar e tentar compreender por que existe essa atração ou aversão. Estou certo de que cada pessoa experimenta ou sente alguma coisa. É um processo que se passa no subconsciente e a mente não vê. Se você começar, no entanto, a olhar conscientemente, verá muitas coisas, descobrirá muitas "Américas". As plantas, como os homens, tem relações entre si e há também relações entre as plantas e os homens, mas de vez em quando elas mudam.
Todas as coisas vivas estão ligadas umas às outras. Isso se aplica a tudo que vive . Todas as coisas dependem umas das outras.
As plantas agem sobre os humores do homem e o humor deste age sobre o mundo da planta. Durante toda a nossa vida faremos a experiência disso. Até mesmo as flores em vasos viverão ou morrerão em função de nossos humores.


- "Amas-me? Perguntou Alice.

- Não, não te amo! Respondeu o Coelho Branco.

- Alice franziu a testa e juntou as mãos como fazia sempre que se sentia ferida.

- Vês? Retorquiu o Coelho Branco. - Agora vais começar a perguntar-te o que te torna tão imperfeita e o que fizeste de mal para que eu não consiga amar-te pelo menos um pouco. Sabes, é por esta razão que não te posso amar. Nem sempre serás amada Alice, haverá dias em que os outros estarão cansados e aborrecidos com a vida, terão a cabeça nas nuvens e irão magoar-te. Porque as pessoas são assim, de algum modo sempre acabam por ferir os sentimentos uns dos outros, seja por descuido, incompreensão ou conflitos consigo mesmos. Se tu não te amares, ao menos um pouco, se não crias uma couraça de amor próprio e de felicidade ao redor do teu Coração, os débeis dissabores causados pelos outros tornar-se-ão letais e destruir-te-ão. A primeira vez que te vi fiz um pacto comigo mesmo: "Evitarei amar-te até aprenderes a amar-te a ti mesma!"

Lewis Carrol

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

O horror da nossa verdadeira situação

Eles Vivem - 1988 (Resenha) | Canto dos Clássicos


Quase ninguém se dá conta da verdade pois ela é extremamente dolorosa. Dar-se conta e agir de acordo implicaria no abandono de tudo aquilo que é tido como "vida normal". Mas de qual verdade estamos falando? A verdade de que somos escravos, apenas recursos humanos, produtos de exploração, membros de um "humaneiro", tal como há galinheiros ou granjas animais. Por ser tão difícil e cruel esta verdade deve ser desvelada pela fantasia, pela ficção, pela estória, pela arte, mas a ciência pode arranhá-la.

Até hoje não encontraram o tal elo perdido, o mítico ancestral comum, mas se você levantar a hipótese de que somos um OGM derivado desse tal ancestral a coisa começa a se esclarecer e você entende que nunca achará de fato o elo perdido e que a atual espécie humana, homo sapiens sapiens, é propriedade de alguém, pois um OGM é justo isso. A Biologia Sintética é uma ciência antiga. Quem produziu o OGM  torna-se seu "proprietário".

Existe uma parábola oriental sobre um mágico rico que tinha muitas ovelhas. Ele era também muito sovina e recusava-se a contratar pastores ou pagar por uma cerca à volta da sua pastagem. Então, as ovelhas deambulavam frequentemente pela floresta e caíam pelas ravinas. E, acima de tudo, fugiam, pois sabiam que o mágico queria as suas peles e carne, e elas não gostavam disso.

Por fim, o mágico encontrou uma solução: hipnotizou as ovelhas. Primeiro, fê-las pensar que eram imortais e que nenhum mal lhes podia acontecer quando fossem esfoladas. Segundo, sugeriu que era um «Bom Senhor» que amava tanto o seu rebanho que faria qualquer coisa no mundo por ele. Em terceiro lugar, sugeriu que se alguma coisa lhes acontecesse, não seria de imediato, ou pelo menos não nesse dia, e por isso não havia razão para pensarem nisso.

Finalmente, o mágico fez as suas ovelhas pensarem que não eram de todo ovelhas. Sugeriu a algumas que eram leões ou elefantes ou águias, a outras homens, e a outras que elas eram mágicos. Depois disto, ele nunca mais teve de se preocupar com as suas ovelhas. Elas nunca fugiam, mas esperavam pacientemente pelo dia em que o mágico pedisse as suas peles e a sua carne.

Esta parábola é uma boa ilustração do posicionamento do homem. Se pudéssemos realmente ver e compreender o horror da nossa verdadeira situação, seríamos incapazes de a suportar, mesmo por um só segundo. Começaríamos imediatamente a tentar encontrar uma saída e rapidamente teríamos êxito, porque existe uma saída. A única razão porque não a vemos é porque estamos hipnotizados. «Despertar» para o homem significa "despertar da hipnose". Essa é a razão pela qual isso é possível mas, ao mesmo tempo, difícil. Não existe nenhuma razão orgânica para estarmos adormecidos. "Podemos acordar", pelo menos em teoria. Mas na prática é quase impossível. Logo que acordarmos por um momento e abrirmos os olhos, todas as forças que nos causaram o adormecimento se tornam dez vezes mais poderosas. Nós voltamos a adormecer imediatamente, "sonhando" o tempo todo que ainda estamos a acordar ou mesmo despertos" (Em Busca do Ser, Gurdjieff, pags 155 e 156).

Não é à toa que o filósofo Schopenhauer se referiu ao nosso comportamento de rebanho da seguinte maneira:

"A única alegria do rebanho é quando o lobo come a ovelha do lado".




segunda-feira, 20 de novembro de 2023

O Quarto Caminho (livro), por P.D. Ouspensky

Estive procurando por este livro maravilhoso - O Quarto Caminho, de P.D. Ouspensky, por um bom tempo. Ele encontra-se esgotado. Consegue-se comprar um usado por algumas centenas de reais. Caríssimo. Buscando na rede por um .pdf, finalmente, encontrei um link para o texto completo, que deixo AQUI. A seguir uma parte do texto do capítulo XI desta obra fundamental no Trabalho sobre si para quem tem interesse, afinidade, atração pelo Quarto Caminho, o caminho do homem astuto.




Nestas conferências, temos falado do homem, não o bastante, mas o suficiente para fins práticos; falamos um pouco do Universo, mas vejo que a ideia de escola e do trabalho de escola ainda está muito vaga e à vezes mesclada com concepções ordinárias, que não levam a nada. A ideia de escola deve ser considerada simplesmente: uma escola é um lugar onde aprendemos algo. Mas deve sempre haver certa ordem nas coisas e não podemos aprender sem obedecer a essa ordem. Falando das escolas ligadas a algum tipo de escola superior (sem essa ligação uma escola não tem nenhum sentido), eu disse que, em tais escolas, devemos trabalhar sobre o nosso ser, ao mesmo tempo que sobre o nosso conhecimento, porque, do contrário, todo o nosso conhecimento será absolutamente inútil e não tiraremos qualquer proveito dele. As ideias esotéricas que não são interpretadas de maneira prática tomam-se mera filosofia, simples ginástica intelectual que não pode levar a parte alguma.

Dei-lhes todas as palavras necessárias ao estudo do sistema e expliquei a posição deste em relação aos outros sistemas. Devem estar lembrados de que falei dos diferentes caminhos e, do que eu disse sobre eles, resulta mais ou menos que este sistema pertence ao Quarto Caminho, isto é, tem todas as peculiaridades e características das escolas do Quarto Caminho. Disse então que uma escola depende do nível das pessoas que estudam nela, e esse nível depende do nível de ser.

Para o desenvolvimento do ser a escola é necessária - muitas pessoas trabalhando na mesma direção de acordo com os princípios e métodos da escola. Aquilo que um homem não pode fazer, muitas pessoas trabalhando juntas podem fazer(princípio da massa crítica). Quando encontrei este sistema, convenci-me muito depressa de que ele estava ligado às escolas e, dessa maneira, tinha atravessado a história escrita ou não. Durante esse tempo, os métodos foram inventados e aperfeiçoados.

As escolas podem ser de graus diferentes, mas, no momento, considero escola todos os tipos de escolas preparatórias que conduzem numa certa direção, e uma organização que pode ser chamada uma "escola" do Quarto Caminho é aquela que apresenta três forças no seu trabalho. O que é importante compreender é que há uma espécie de segredo no trabalho de escola, não no sentido de algo realmente escondido, mas algo que tem que ser explicado. A ideia é essa. Se considerarmos o trabalho de escola como uma oitava ascendente, saberemos que, em cada oitava, 
há dois intervalos ou claros, entre mi e fá e entre si e dó. Para ultrapassar esses claros, sem mudar o caráter e a linha do trabalho, é necessário saber como preenchê-las. Assim, se eu quiser assegurar a direção do trabalho em linha reta, deverei trabalhar simultaneamente em três linhas. Se eu trabalhar apenas numa linha, ou em duas, a direção mudará. Se eu trabalhar em três linhas, ou três oitavas, uma linha ajudará a outra a atravessar o intervalo, dando-lhe o choque necessário. É muito importante compreender isso. O trabalho de escola utiliza muitas ideias cósmicas, e as três linhas de trabalho são um arranjo especial para salvaguardar a direção justa do trabalho e para torná-lo bem sucedido.

A primeira linha é o trabalho sobre si mesmo: estudo de si mesmo, estudo do sistema e a tentativa de mudar pelo menos as manifestações mais mecânicas. Esta é a linha mais importante. A segunda linha é o trabalho com as outras pessoas. Não podemos trabalhar sozinhos (princípio do pequeno tirano); um certo atrito, o incômodo e a dificuldade de trabalhar com as outras pessoas criam os choques necessários. A terceira linha é o trabalho para a escola, para a organização (princípio do sacrifício). Essa última linha assume diversos aspectos para diferentes pessoas.

O princípio das três linhas é que as três oitavas devem caminhar simultaneamente e paralelas entre si, mas elas não começam todas ao mesmo tempo e, desse modo, quando uma linha atinge um intervalo, outra linha entra para ajudá-la a atravessar esse intervalo, uma vez que os lugares destes não coincidem. Se um homem é igualmente ativo em todas as três linhas, isso o livra de muitos acontecimentos acidentais. Naturalmente, a primeira linha começa primeiro. Na primeira linha de trabalho, recebemos conhecimento, ideias, ajuda. Essa linha se refere apenas a nós mesmos, é inteiramente egocêntrica. Na segunda linha, devemos não só receber como dar - transmitir conhecimento e ideias, servir de exemplo e muitas outras coisas. Ela se relaciona com as pessoas no trabalho, de modo que, nesta linha, trabalhamos, em parte, para nós mesmos e, em parte, para os outros. Na terceira linha, devemos pensar no trabalho em geral, na escola ou organização como um todo. Temos que pensar no que é útil, no que é necessário à escola, naquilo de que ela tem necessidade, de modo que a terceira linha diz respeito à ideia global de escola e todo o presente e futuro do trabalho. Se o homem não pensar sobre isso e não o compreender, então as primeiras duas linhas não produzirão o seu pleno efeito. É essa a maneira como o trabalho de escola é organizado e a razão pela qual as três linhas são necessárias; só podemos receber choques adicionais e os benefícios totais do trabalho, se trabalhando nas três linhas.

Relacionam-se as três linhas de trabalho com a ideia de certo e errado, tudo o que ajuda a primeira linha, isto é, o nosso trabalho pessoal, é correto. Mas, na segunda linha, não podemos ter tudo para nós; temos que pensar nos outros que estão no trabalho, temos que aprender não só a compreender como a explicar, devemos dar aos outros. E, em pouco tempo, veremos que só podemos compreender certas coisas explicando-as aos outros. O círculo se toma mais amplo, o certo e o errado se tornam maiores. A terceira linha já tem relação com o mundo exterior, e bom e mau passam a ser aquilo que ajuda ou prejudica a existência e o trabalho de toda a escola, de modo que o círculo torna-se ainda mais amplo. Essa é a maneira de pensar nessa questão.

Chamo particularmente a atenção de vocês para o estudo e a compreensão da ideia das três linhas. É um dos princípios fundamentais do trabalho de escola. Se 
o pusermos em prática, muitas coisas se abrirão para nós. Este sistema está repleto de tais instrumentos. Se os utilizamos, eles abrem muitas portas.

O primeiro princípio do trabalho é que os esforços dão resultados proporcionais à compreensão. Se não compreendermos, não haverá resultados; se, de fato, compreendermos, os resultados serão de acordo com o nível da nossa compreensão. Assim, a primeira condição é compreender, e mesmo antes disso, devemos saber o que é compreender e o modo como adquirir a compreensão correta. O trabalho verdadeiro deve ser o trabalho sobre o ser, mas este exige compreensão das metas, condições e métodos do trabalho. A meta do trabalho é instituir uma escola. Para isso, é necessário trabalhar de acordo com os métodos e regras da escola, e trabalhar nas três linhas. O estabelecimento de uma escola significa muitas coisas.

Há duas condições no trabalho com que devemos começar; a primeira é que não devemos acreditar em nada, devemos verificar tudo; a segunda, e até a mais importante condição se refere a fazer. Não deveremos fazer nada, enquanto não compreendermos por que e para que fim fazemos algo. Essas duas condições devem ser compreendidas e lembradas. É verdade que podemos nos dar conta de que não sabemos nada e não sabemos o que fazer. Nesse caso, sempre podemos pedir orientação, mas, se a pedirmos, teremos que aceitá-la e obedecer a ela.

Até agora trabalhamos na primeira linha, estudamos o que nos foi dado e explicado e tentamos compreender. Agora, se quisermos continuar, deveremos tentar trabalhar na segunda linha e, se possível, na terceira. Temos que tentar pensar em como encontrar mais trabalho na primeira linha, como passar para a segunda linha e como nos aproximar do trabalho na terceira linha. Sem isso, o nosso estudo não dará nenhum resultado.

Façam agora perguntas até que estejam persuadidos de que compreendem as três linhas de trabalho: o que cada linha significa, por que são necessárias, o que é necessário a cada uma delas, etc. O proveito que podemos obter é sempre proporcional à nossa compreensão. Quanto mais conscientemente trabalharmos, mais poderemos obter. É por isso que é tão importante que tudo isso seja explicado e compreendido.

Pergunta: De que maneira precisamos de três linhas de trabalho?

Resposta: No início, tudo depende da mente; ela deve ser educada, deve despertar. Mais tarde, dependerá da emoção. Para isso, precisamos de uma escola, devemos encontrar outras pessoas que saibam mais do que nós e devemos examinar as coisas com elas. Sem dúvida, se ficarmos sozinhos, esqueceremos as coisas que aprendemos, porque há tantos momentos em nós, que as coisas simplesmente desaparecem da nossa mente. É por isso que um homem não pode trabalhar sozinho e apenas o trabalho conjugado de muitas pessoas juntas pode produzir os resultados necessários. Há muitos obstáculos, muitos fatores que nos mantêm dormindo e tornam impossível o nosso despertar. As coisas que aprendemos simplesmente desaparecerão, se nada as favorecerem, e o que pode favorecê-las? Só outras pessoas à nossa volta.

Em princípio, devemos trabalhar na aquisição de conhecimento, de material, de prática. Em seguida, quando obtivermos uma certa quantidade, começaremos a trabalhar com outras pessoas, de modo que uma pessoa será útil a outra e ajudará a 
outra. Na segunda linha, devido a certa organização especial, estamos em condições de trabalhar para outros, não apenas para nós. E, posteriormente, podemos compreender de que modo podemos ser úteis à escola. É tudo uma questão de compreensão. Na terceira linha, trabalhamos para a escola apenas, não para nós. Se trabalharmos nessas três linhas, depois de algum tempo essa organização se tornará uma escola para nós; mas, para as outras pessoas, que trabalham apenas numa linha, ela não será uma escola. Lembrem-se de que eu disse que uma escola é uma organização onde podemos não só adquirir conhecimento, mas também mudar o nosso ser. Uma escola dessa natureza nem sempre é a mesma, tem qualidades mágicas e pode ser um tipo de escola para uma pessoa e algo completamente diferente para outra. Devemos compreender que tudo que podemos receber, todas as ideias, todo o conhecimento possível, toda a ajuda, vêm da escola. Mas a escola não assegura coisa alguma. Considerem uma universidade comum, onde se dão apenas conhecimento e instrução. Ela pode nos assegurar uma certa quantidade de conhecimento, mas, ainda assim, só se trabalharmos. Mas, quando se apresenta a ideia de mudança de ser, não é possível nenhuma garantia, de modo que as pessoas podem estar na mesma escola, na mesma organização e podem estar em diferentes níveis.

Pergunta: O senhor falou das metas e das necessidades da escola. Poderia nos dizer quais são?

Resposta: Primeiro temos que nos preparar para compreendê-las. Temos ideias da escola, de modo que devemos fazer uso delas: isso nos ajudará a compreender as escolas. Se nós mesmos não fizermos nada e falarmos sobre as escolas, só criaremos imaginação e nada mais. Devemos tirar partido das ideias que temos, do contrário as escolas não existirão para nós. Devemos ter a nossa própria meta e ela deve coincidir com a meta da escola, deve fazer parte dela.

Pergunta: A diferença entre a primeira e a terceira linhas indica que a escola tem metas diferentes do desenvolvimento dos seus membros, tais como, por exemplo, a perpetuação do seu próprio conhecimento?

Resposta: Não apenas isso. Pode haver muitas coisas, porque ela é considerada numa linha de tempo diferente. Em relação a nós só podemos considerar o presente. Em relação à escola o tempo é mais longo.

Pode ser útil lembrar-lhes como esse trabalho começou. Há muito tempo atrás, cheguei à conclusão de que muitas coisas existiam no homem que podiam ser despertadas, mas vi que isso não levava a nada, porque, num momento, elas estão despertas e, noutro, desaparecem, uma vez que não há nenhum controle. Desse modo, dei-me conta da necessidade da escola e comecei a procurar uma, mais uma vez em conexão com os poderes que eu chamava "miraculosos". Finalmente, encontrei uma escola e entrei em contato com muitas ideias. São as ideias que estamos estudando agora. Para esse estudo, é necessário uma organização; primeiro, para que as pessoas possam estudar essas ideias e, em seguida, para que possam ser preparadas para um estágio posterior. Esta é uma das razões para a existência de uma organização e só aqueles que já fizeram algo por si mesmos é que têm um lugar nela. Enquanto estiverem em poder da falsa personalidade, não podem ser úteis a si mesmos nem ao trabalho. Por isso, a primeira meta de quem esteja interessado no trabalho é estudar-se e descobrir o que deve ser mudado. Só 
quando certas coisas tenham mudado é que um homem está efetivamente preparado para o trabalho ativo. Uma coisa deve estar ligada a outra. Devemos compreender que o estudo pessoal está ligado à organização e ao estudo das ideias gerais. Com a ajuda dessas ideias podemos descobrir muito mais: quanto mais tivermos, mais poderemos descobrir. O trabalho nunca chega ao fim; o fim está muito distante. Ele não pode ser teórico; cada uma dessas ideias deve tornar-se prática. Há muitas coisas nesse sistema que um homem comum não pode inventar. Algumas, podemos descobrir sozinhos; outras, só podemos compreender se nos forem dadas, mas do contrário não. E há uma terceira espécie de coisas que não podemos em absoluto compreender. É necessário compreender essas graduações. 

Pergunta: Parece-me que o que aprendemos até agora foi teoria, e agora precisamos torná-la uma questão de prática pessoal, não?

Resposta: Exato. O que está errado é pensar que até o momento tudo foi teórico. Desde a primeira palestra, foi-lhes dado material para observação de si e para um trabalho prático. Não devem pensar que isto seja o começo de algo novo, que não existiu antes.

Pergunta: Que outra forma de trabalho poderíamos ter além das palestras e dos debates?

Resposta: Devem pensar naquilo de que precisam, além dos debates. Necessitam de instrução, é necessário que lhes mostrem o caminho. Um homem não pode encontrar o caminho sozinho; é pela condição dos seres humanos que o caminho pode lhes ser indicado, mas sozinhos não podem encontrá-lo.

Falando mais claramente, entramos na segunda linha de trabalho desta forma: esses grupos vêm funcionando há algum tempo e havia pessoas e grupos antes de vocês. Um dos princípios do trabalho de escola é que podem receber instrução e orientação não apenas de mim, mas também das pessoas que têm estudado antes de vocês chegarem, talvez durante muitos anos. A sua experiência é muito importante para vocês, porque, mesmo que eu o quisesse, não poderia dedicar-lhes mais do que o tempo que me é possível. Outros têm que complementar o que posso oferecer-lhes, e vocês, por seu turno, devem aprender como utilizá-lo, como tirar proveito da sua experiência, como tirar deles o que podem dar-lhes.

A experiência mostra que, para adquirir o que é possível dessas ideias, é necessário determinada organização, uma organização de grupos de pessoas não apenas para examinar as coisas, mas também para trabalhar juntas, como, por exemplo, no jardim, na casa ou na fazenda, ou fazendo outro trabalho que possa ser organizado e iniciado. Quando as pessoas trabalham juntas com o propósito de observar, começam a ver em si e nas outras pessoas diversas coisas que não percebem quando apenas debatem. O debate é uma coisa e o trabalho outra. Assim, em todas as escolas existem diferentes tipos de trabalho organizado e as pessoas podem sempre encontrar o que lhes é adequado, sem sacrifícios desnecessários, porque estes não são esperados.

Mas devem pensar sobre isso, devem compreender que até agora as pessoas cuidaram de vocês, lhes falaram, ajudaram-nos. Agora devem aprender a cuidar de si mesmos e, mais tarde, terão que cuidar não apenas de si, mas também de novas pessoas. Isso também será parte do seu trabalho.


O ponto fundamental de que lhes falo é a compreensão. Quero me referir à compreensão do trabalho, da necessidade do trabalho, das exigências do trabalho, do plano geral do trabalho e do interesse em tudo isso. É isto que é obrigatório. Não podemos compreender os métodos do trabalho, enquanto não compreendermos a sua direção geral. E, quando compreendermos a direção, isso nos ajudará a compreender muitas outras coisas que precisamos compreender. Não podemos nos abster dessa parte do trabalho. Se, por uma razão ou outra, nos abstemos, não podemos adquirir coisa alguma.

Algumas pessoas não compreendem o próprio começo do trabalho; não pensam nele como trabalho, tomam-no no sentido habitual. Há uma coisa que é necessária, obrigatória, após certo tempo; é uma
avaliação, porque não se pode trabalhar sem ela. Por um lado, as pessoas querem trabalhar, mas, por outro, querem considerar as coisas da mesma maneira habitual. Mas, se quiserem trabalhar, tudo com relação ao trabalho deve ser considerado de modo diferente, tudo - e elas pensam que podem considerar as coisas da mesma maneira. O que sinto que está faltando é trabalho e compreensão e avaliação do trabalho. O que está faltando principalmente é avaliação. Tudo é tido como certo e, ao mesmo tempo, considerado de um ponto de vista comum. Como consequência, nada muda. Muita coisa depende da atitude e do trabalho das pessoas. Uma escola que serve para uma pessoa não serve para outra.

Pergunta: Como podemos ter uma atitude e avaliação corretas?

Resposta: Antes de mais nada, antes de começar a estudar, devemos decidir o que realmente queremos saber. É perfeitamente possível que o que estudamos aqui não interesse a uma pessoa; ela pode descobrir que não necessita disso de forma alguma. Por isso, devemos tratar de descobrir, mais ou menos, o que queremos; do contrário é possível que só estejamos perdendo o nosso tempo. Essa é a primeira coisa. A segunda é que devemos compreender certos princípios fundamentais, senão deixaremos de compreender muitas outras coisas; algo sempre permanecerá no caminho da nossa compreensão.

Um princípio muito importante é o de que ninguém pode estudar o sistema sozinho, e é necessário compreender o porquê. Há muitas razões. A primeira é muito simples e evidente: não podemos ter um mestre exclusivamente para nós. Se encontrarmos alguém que possa ensinar esse sistema, ele não gastará o seu tempo com uma só pessoa. E sem alguém que possa explicar as coisas e trabalhar conosco, não podemos fazer nada. Em segundo lugar, se trabalharmos sozinhos, ou tentarmos fazê-lo, não podemos pôr outra pessoa no nosso lugar e, num dado momento, isso se toma necessário para passar ao grau seguinte de conhecimento e de ser. Vocês devem se lembrar do que eu disse sobre a escada, na primeira palestra, em relação com a explicação do crescimento do centro magnético e da continuação do trabalho. Declarei que um homem só pode subir ao degrau seguinte da escada colocando outro homem no seu lugar. Isso quer dizer que subimos essa escada, que representa a diferença de níveis entre a vida comum e o que é chamado Caminho. O Caminho não começa no mesmo nível da vida comum; é preciso subir mais alto para chegar a ele. Isso significa que o nível da nossa compreensão, da nossa inteligência habitual, até mesmo dos nossos sentimentos comuns, tem de mudar. Além disso, quando se pensa em pôr outro no seu lugar, é muito importante evitar um equívoco perigoso. Algumas pessoas estão inclinadas a  pensar que este deve ser um trabalho individual. Elas não compreendem que essa expressão é uma formulação de um princípio geral. É infantilidade pensar que isso pode ser feito por uma pessoa mediante a transmissão dessas ideias a outra. Antes de tudo, é necessário compreender que não podemos fazê-lo e, em segundo lugar, que não se pode exigir isso das pessoas, porque o trabalho individual só pode se referir a si mesmo. Colocar alguém no nosso lugar é trabalho de escola, isto é, do esforço conjunto de todas as pessoas que pertencem à escola. Todo trabalho de escola é organizado tendo esse propósito em mira; todos os diferentes ramos do trabalho perseguem o mesmo fim: colocar as pessoas novas no lugar ocupado por aqueles que estão ali atualmente e, desse modo, ajudá-las a subir os outros degraus. Mas ninguém pensou nisso de maneira correta. Por exemplo, muito poucas pessoas pensam nessas palestras e na casa do campo: quem as organiza e como são organizadas e como se realizam. Esta é a resposta à pergunta sobre colocar alguém no seu lugar, porque outros cuidam de vocês e organizam as coisas para vocês. Estudaram as ideias do sistema antes de vocês e chegaram a determinado ponto no estudo delas; e agora querem ir adiante. Para isso, têm de ajudar os outros a saber o que eles sabem. Eles não podem fazer isso sozinhos; por isso, ajudam a organizar palestras e outras coisas para as pessoas mais novas. Isso é parte do plano geral do trabalho de escola. O princípio do trabalho é que todos devem fazer o que podem. Em seguida, quando chegam outras pessoas, cabe a eles fazer o que outros fizeram antes deles. É necessário certo período de esforço e todos devem partilhar dele.

Pergunta: Por que um homem pode fazer mais num grupo do que sozinho? Resposta: Por muitas razões. A primeira, como expliquei, é que ele não pode ter um mestre só para si. A segunda é que, nas escolas, algumas arestas são aparadas. As pessoas têm que se adaptar umas às outras, e isso geralmente é muito útil. A terceira é que um homem está cercado de espelhos; pode se ver em cada pessoa. Pergunta: Mas há aqui um elo entre mim e os outros?

Resposta: Deve haver um elo, mas este é produzido pelo trabalho. Todos os que trabalham criam esse elo. Não devemos esperar que os outros pensem em nós. Eles o farão tanto quanto possível, mas não devemos ter isso como garantido.

Pergunta: O senhor poderia falar mais sobre isso? Existe alguma obrigação entre mim e as pessoas que estão nesta sala?

Resposta: Isso depende de você, de como compreende isso, do que sente em relação a isso, do que pensa que pode fazer a respeito disso. Não há nenhuma obrigação imposta. As obrigações resultam do trabalho. Quanto mais se faz, mais obrigações se tem. Se não fazemos nada, nada nos é pedido. Gurdjieff explicou isso no início; ele disse que era perigoso fazer alguma coisa no trabalho, se não se quisesse que nos pedissem coisas difíceis.

Pergunta: O senhor disse que a segunda linha de trabalho é o trabalho com as pessoas. Acho mais fácil trabalhar só.

Resposta: Todo mundo acha a mesma coisa. Sem dúvida seria muito melhor se você pudesse se sentar aqui sozinho e falar comigo, sem qualquer outra pessoa, e sobretudo "essas" pessoas, porque elas são particularmente desagradáveis. Todos nós pensamos isso. Eu pensava isso, quando comecei a estudar. É uma das coisas  mais mecânicas no trabalho. O trabalho e o sistema, no seu conjunto, estão organizados de maneira tal, que não se pode obter nada da primeira linha, se não se trabalhar na segunda e terceira linhas. Na primeira linha, podemos adquirir certas ideias, determinadas informações, mas, depois de algum tempo, paramos, se não trabalhamos nas outras duas linhas.

Pergunta: Enquanto tentamos trabalhar na primeira linha, como podemos ter uma ideia da terceira linha?

Resposta: Trabalhando, para começar, na primeira linha e, depois, tendo uma visão do conjunto: todas as ideias do sistema e os princípios do trabalho de escola. Se trabalhamos no que chamamos a primeira linha - estudo de si mesmo e estudo do sistema - todas as possibilidades no trabalho fazem parte dele. Por isso, quanto mais tempo e energia dedicamos ao estudo do sistema, mais compreendemos o que ele abrange. Desse modo, pouco a pouco, a compreensão chegará. Na primeira linha, devemos ser muito práticos e pensar no que podemos conseguir. Se sentimos que não somos livres, que estamos dormindo, talvez sintamos a necessidade de ser livres, de despertar, e, dessa forma, trabalharemos para conseguir isso. Na terceira linha, pensamos sobre o trabalho, sobre a organização inteira. Antes de tudo, a organização deve ser o objeto do nosso estudo, como o Raio da Criação - a ideia de organização, as necessidades da organização, as formas da organização. Depois veremos que a organização é assunto nosso, de ninguém mais. Todos devem participar dela, quando puderem. Ninguém é solicitado a fazer o que não pode, mas todos devem pensar nisso e compreendê-lo. Na terceira linha, não é tanto o fazer que é importante, mas o pensar nela. Não podemos deixar que outros pensem a respeito dela por nós. Não pode existir trabalho de escola numa única linha. Trabalho de escola significa trabalho nas três linhas. Isso deve ser considerado sob um ponto de vista pessoal e devemos compreender que só com esses três tipos de ajuda podemos sair do ponto morto da passividade. Muitas coisas nos mantêm ali, temos sempre os mesmos sentimentos, os mesmos sonhos, os mesmos pensamentos.

Pergunta: A terceira linha é responsável pelo progresso do sistema?

Resposta: Tudo é. Uma linha não pode existir sem a outra. Uma linha ou duas não é trabalho. Mas, antes de mais nada, é necessário compreender. Podemos estudar - nos é dado tempo para isso -, mas não podemos decidir fazer uma coisa e pôr de lado outra.

Pergunta: O senhor quer dizer que primeiro devemos compreender o que significa a terceira linha. Mas isso, certamente, ainda não é trabalho, certo?

Resposta: Depende. Num determinado sentido, compreender já é trabalho. Se um número suficiente de pessoas não pensa no trabalho como um todo e não o compreende, é impossível continuar. Um certo número de pessoas deve compreender e poder fazer o que é necessário. Vocês nunca perceberam como é difícil a existência do trabalho, mesmo na forma que tem hoje. No entanto, é possível para ele existir e se desenvolver, se introduzirmos nele mais compreensão e energia. Em seguida, com uma compreensão correta, haverá um desenvolvimento correto. Mas não devemos esperar que alguém introduza compreensão e energia nele por nós.

Pergunta: Mas a iniciativa não cabe a mim?

Resposta: Sem dúvida, cabe a você. Mas, na segunda linha, ela não lhe compete, tem que ser organizada. Cada qual terá que compreender por si só a terceira linha; só então ela existirá. Depende da nossa atitude e das nossas possibilidades, e estas possibilidades não podem se criar artificialmente. Se sentirmos que é necessário fazer algo para o trabalho da escola e se pudermos fazê-lo, isso será terceira linha de trabalho. Primeiro, devemos compreender o que é necessário e só depois podemos pensar no que nós mesmos poderemos fazer pela organização. 

Pergunta: Parece-me que o que o senhor quer de nós é que sintamos que somos a organização, ou parte dela, e que ela não é algo separado de nós, não é? 

Resposta: Exato, e mais do que isso. Devem compreender o que uma escola do Quarto Caminho significa. Ela existe dentro da vida comum e, portanto, necessita especialmente de organização. As escolas de monges e ioguins são organizadas, mas a vida comum não oferece oportunidade de estudar os diferentes aspectos que precisam ser estudados. Para isso, deve haver uma organização especial.

Pergunta: O senhor falou muito de compreensão recentemente.

Resposta: É verdade. A compreensão é necessária, assim como uma atitude pessoal. As pessoas não tomam a existência da escola uma questão pessoal, e a escola não pode ser impessoal. Em muitos casos, as palavras se põem no caminho da compreensão. Falamos da primeira, segunda e terceira linhas, repetindo apenas palavras, e deixamos de compreender qualquer coisa. Utilizamos essas palavras com extrema facilidade. É preciso que tenhamos a nossa própria visão pessoal dessas linhas: primeiro, de nós mesmos adquirindo conhecimento, novas ideias, rompendo com velhos preconceitos, livrando-nos de antigas ideias que expressamos no passado e se contradiziam, estudando-nos a nós mesmos, estudando o sistema, tentando nos lembrar de nós mesmos e muitas outras coisas. Devemos pensar no que queremos adquirir, conhecer e ser, em como mudar velhos hábitos de pensar e sentir. Tudo isso é primeira linha.

Em seguida, quando estivermos suficientemente preparados e fizermos esforços suficientes durante algum tempo, poderemos nos colocar nas condições do trabalho organizado, onde poderemos estudar de maneira prática. Na segunda linha, a dificuldade fundamental, no começo, é trabalhar não por nossa própria iniciativa, porque essa linha não depende de nós, mas das disposições do trabalho. Muitas coisas fazem parte dela: dizem-nos que façamos isso ou aquilo, e queremos ser livres, não gostamos disso, não queremos fazer aquilo ou não gostamos das pessoas com quem temos que trabalhar. Mesmo agora, sem saber o que teremos que fazer, podemos nos imaginar em condições de trabalho organizado, no qual entramos sem saber nada dele ou muito pouco. São essas as dificuldades da segunda linha e o nosso esforço em relação a ela começa com aceitação das coisas, porque podemos não gostar delas; podemos pensar que é possível fazer o que temos que fazer melhor, da nossa maneira; podemos não gostar das condições e assim por diante. Se pensarmos primeiro nas nossas dificuldades pessoais na relação com a segunda linha, poderemos compreendê-Ia melhor. De qualquer modo, ela é ajustada de acordo com um plano que não conhecemos e com metas de que não temos conhecimento. Há muitas outras dificuldades que surgem mais tarde, mas esse é o modo como começa.




quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Agir conscientemente, por Nuvem que Passa




Creio por prática que incidir nos mundos virtuais é um ato profundamente mágico, do qual nossa consciência ordinária só capta uma pequena fração.

Conexões desconhecidas são estabelecidas entre os organismos da Terra quando as pessoas passam a trocar informações virtualmente.

Estamos vivendo num momento mítico, num transpor de Eras que cria oscilações fantásticas no tecido da Realidade.

É por isto que nunca tivemos um mundo tão em crise, tão deprimente, desestimulador e amedrontador se ficarmos presos a visão que o Sistema Dominante impõe, basta assistir o "Jornal" que tem a pretensão de ser o "retrato da verdade".

A visão que temos da realidade é uma resultante de nosso estado de consciência.

Este fator determina toda uma outra abordagem da realidade por parte de certas linhas de praticantes do que se convencionou chamar Xamanismo, que eu pessoalmente chamo de ARTE.

A ARTE veio sendo desenvolvida e reinterpretada pelos(as) seus(as) praticantes através dos Tempos.

Mas cada tempo sem seu modo próprio de fluir.

Cada momentun do tempo-espaço surge como resultante da maneira pela qual interagimos com as emanações a nossa volta, com as "supercordas" como as chama uma das teorias físicas hoje elocubradas.

Obviamente com seu pragmatismo característico os(as) adeptos(as) da ARTE se puseram a interagir de forma criativa com estas constatações.

Constatação: Existem várias realidades interpenetradas, se vivemos em uma cebola, mas nesta quadridimensional cebola as camadas são dinâmicas, em arranjos combinatórios inconcebíveis a nossa tacanha habilidade geométrica em conceber arranjos da realidade.

Bem se existem outras realidades como podemos nelas atuar?

Este primeiro caminho de observação leva bem longe quando os Xamãs descobrem que o Sonho é uma condição alterada de consciência que algumas vezes leva a consciência a incidir nestas outras realidades, chegando mesmo a estabelecer contato com entes conscientes destes mundos outros que não esse.

Obviamente a questão passou a ser:

Como ir de forma controlada e sistemática à estas outras realidades?

O Sonhar era muitas vezes errático e possuía compensações naturais que dificultavam ainda mais o "estar consciente em sonho". Técnicas bizarras foram desenvolvidas para promover estes "sonhos conscientes".

Foi bem mais tarde que os (as) xamãs perceberam que havia uma força por detrás disso, que as formas ritualísticas e complicadas que usavam para evocar e provocar estes estados "xamanísticos" de consciência serviam apenas como alavanca.

O que estava em jogo era outra abordagem da realidade.

Percebendo que a realidade era composta de duas retas paralelas.

Numa está esse mundo, tal e qual o conhecemos.

Indo nele, lidando com ele se vai por uma "trilha" de energia.

Tudo que vamos perceber como realidade está condicionado aos "acordos" feitos entre as (os) percebedores.

Nós entramos nesse acordo perceptivo, mas não percebemos que o fizemos e, ainda pior, não sabemos que podemos romper com estes acordos perceptivos e entrar em outros acordos perceptivos mais amplos e efetivamente ligados a autonomia e plenitude existencial.

O primeiro acordo perceptivo que os (as) xamãs rompem é a superstição que os sonhos são apenas cenas produzidas por neuroquímica mental, evocações de associações realizadas pelas funções psíquicas humanas durante o descanso do cérebro.

Isso existe também, mas não é apenas isso o sonho.

No estado de soltura do sonhar a essência perceptiva ao invés de ficar regurgitando suas próprias prisões existenciais, pode se lançar a um nível mais amplo de percepção e se tornar ciente de si.

Assim como o estar no aqui e agora é um trabalhar sobre o despertar de nós mesmos, nesta condição usual da realidade, o despertar no nível do sonho encontra barreiras diversas.

Quem tem a experiência de procurar se observar e se sentir presente no aqui e agora percebe bem como nos perdemos, como “esquecemos" dessa proposta, como vivemos hipnotizados no dia a dia.

O mitote do mundo nos prendeu.

Nos faz sonâmbulos e nos desvia da plena consciência de nós mesmos.

O mesmo ocorre no plano dos sonhos.

Mas ali, como aqui, podemos "acordar".

Quando nos tornamos conscientes de nós mesmos na frequência do sonhar algo mais acontece.

Uma condição excepcional de energia chamado: "corpo de sonho", o "sósia", o "outro", "corpo astral", "corpo de energia", "corpo radiante" e outros tantos nomes, aparece.

Quando acordamos a cada manhã temos uma noção de continuidade. Essa noção foi construída pelas vivências e para os (as) xamãs estas memórias estão acumuladas pelas células do corpo inteiro.

Assim é o corpo físico que garante nossa continuidade, aquilo que chamamos de “memórias acumuladas", os vetores que juntos geram o vetor resultante que chamamos de "eu", aglomerado, não singular como pretende ser, mas multiplicidade disfarçada de "um".

Pois bem, sem o corpo de energia não há como ter continuidade nos sonhos, assim quando nos "lembramos de nós" dentro de um sonho geramos uma curvatura nas fibras da Eternidade e tal curvatura começa a gerar algo novo, algo que se convencionou chamar de "Corpo de Energia".

As confusões que tal caminho gerou são enormes e o que vou relatar a seguir é a forma da linhagem com a qual aprendi avaliar os fatos citados, respeitando as outras versões sobre os mesmos temas.

Para o Xamanismo que estudo raros seres já possuem "ligado e maturado" o corpo de energia.

Nas viagens que fazem pelos outros mundos os seres se projetam enquanto entidade perceptiva, mas pouco ou nenhum controle tem sobre o que está a sua volta, são folhas ao sabor do vento.

Mas existe uma possibilidade de mudar essa condição de ausentes de nós mesmos.

Neste mundo cotidiano no qual estamos o trabalho com a ARTE do agir no mundo é um caminho xamanístico de transformar nossos atos nesse mundo em magia e realização.

O equivalente a esta ARTE de estar focado no aqui e agora, transformando cada momento da vida numa manifestação da ARTE, se manifesta nesse nível que precariamente chamamos de ", Sonhar Consciente".

Sonhando consciente as (os) xamãs estão desenvolvendo o corpo de energia, o "sósia", a contraparte de energia do corpo físico.

Por necessidades da Eternidade o "mundo" gera e cria o corpo físico.

O corpo físico em seu processo de gestação e desenvolvimento passa por fases que podem ser repetidas na criação de um outro corpo, agora de energia, agora com habilidade de incidir em muitos outros mundos que não apenas esta condição que chamamos de realidade.

Estar aqui e agora implica em estar focado no momento presente.

Isso curva o espaço tempo a nossa volta, pois teremos mais energia presente, mais energia concentrada numa porção da Eternidade causa oscilações significativas.

Assim ao criarmos um corpo de energia, pela atitude de lembrarmos-nos de nós mesmos nos sonhos, causamos perturbações no tecido da Realidade mais ampla que são percebidas por seres mais maduros nesse processo de explorar conscientemente outros mundos.

Entrar pois nestas outras realidades exige preparo de quem o faz, pois ao encontrar com outros entes conscientes da Eternidade poderá estabelecer relações questionáveis onde perderá sua autonomia existencial e sua liberdade.

Para os que trilham caminhos servis creio que isto é sem problema, mas para quem tem a LIBERDADE como meta fica questionável tal proceder.

Houve um tempo que os antigos lidavam com os poderes diretos, com as expressões singulares dos poderes da Natureza e da Eternidade.

Mas então veio outro tempo no qual entes de grande poder se apresentaram para ensinar e auxiliar muitos(as) xamãs e outro estilo de ação começou em alguns lugares.

Servir a entes, tidos por deuses e deusas.

Como se uma vela frente à imensidão de uma estrela escolhesse negar sua condição de vela, para ser uma serva da estrela.

Existe uma infinidade de ritos destinados a evocar e criar "pactos" entre seres humanos e estes entes, que se apresentam das mais diversas formas de acordo com a maturidade psíquica de quem os evoca.

Uma das confusões que alguns estudiosos apontam para o corpo energético está no contato com estes entes.

Alguns iniciados em lugares diferentes do mundo sabiam como "mudar" para o outro, entrar em consciência de corpo energético.

Nesse estado tinham seu poder incrivelmente transformado.

O "outro" trabalhava para os de sua tribo.

Para os que vinham o mistério do "outro" não era compreensível.

Passou a ser algo fora. Algo diferente.

Mais tarde o outro e esses ritos foram repetidos, mas ao invés de ser o "'sósia" do (a) xamã que "trabalhava", já eram (quando eram) entes que haviam estabelecido estranhas relações de energia com alguns seres humanos, grande parte das vezes parasitária.

O conceito de "anjo da guarda" passa por leituras equivocadas do papel do "outro".

Energia é um guardião da totalidade.

Ele "intui".

O corpo de Tudo que chamamos de "poderes” como clarividência, "intuições”, vem da ação do corpo de energia.

Corpo de energia quando está desperto abre os canais da percepção interior.

A meta dos (as) xamãs que conheço e de várias outras linhagens é fundir ambos os corpos, criar uma unidade estrutural composta do corpo de energia e do corpo que chamamos físico.

Mas tal fundir deve acontecer no momento adequado, por isso antes, se trabalha os dois corpos separadamente.

A ARTE do Comportamento (ou a arte da espreita), junto com o preparo do corpo físico através de trabalhos físicos específicos, no Taoísmo e em outras escolas, como os Toltecas (passes mágicos), tem movimentos muito específicos para trabalhar aspectos específicos da energia.

Tai Chi Chuan e Kung Fu são nomes genéricos, com variados estilos de execução de movimentos que visam desobstruir o fluxo de Tsing pelo organismo e também entre o organismo e seu meio circundante.

Esta relação com a energia circundante que temos é deixada de lado por muitos e isto é bem equivocado.

A energia precisa fluir não só em nós, como de nós para o meio, do meio para nós, entre nós e as pessoas que convivemos.

Isso ocorre, sempre, o que os(as) xamãs buscam é tomar consciência disso e estar de tal forma no mundo que nunca deixem sua energia nos lugares e pessoas nem levem as das pessoas e lugares consigo.

Há exercícios específicos no Taoísmo, no Budhismo e no Xamanismo que visam declaradamente trazer de volta as energias nossas deixadas nos lugares e pessoas e desgrudar de nós as energias deixadas pelos lugares e pessoas.
Tais práticas permitem uma maior força no estar aqui e agora, primeiro porque estaremos com nossa "integralidade" assegurada, segundo porque não teremos energias não nossas nos pretendo a situações e pessoas.
Este aspecto tem que ser muito bem trabalhado para evitar leituras tendenciosas, separatistas e egóticas do tema.

Quando entramos em outros mundos alinhamos condições de energia das mais diversas.

Cada mundo tem sua própria característica e estaremos recebendo estas energias com sua própria frequência e decodificando de acordo com nosso sistema base de interpretação.

Assim os mundos vistos, quando avaliados com os referenciais deste contexto de realidade parecerão incrivelmente parecidos com estes, mas bastará despertar a percepção do corpo de energia, que percebe as coisas como energia, que tal "moldura" se desfará e a percepção enquanto energia se sobreporá a visão anterior.

É óbvio que é mais seguro ver os outros mundos em forma de energia que decodificá-los com nossos limitados referenciais.

Assim sonhar é todo um campo complexo dentro dessa trilha de despertar no sonho, lembrar de si mesmo no sonho, perceber que está no sonho, isto é num nível diferente não só de realidade mas de poder de realização.

Tão importante quanto perceber a condição diferente de "mundo" onde se está é perceber sua habilidade de realização nestes mundos.

Estaremos nos expondo como um habitante de uma toca que se aventurasse a explorar a floresta a sua volta.

A realidade predadora da Eternidade é um fato para o Xamanismo, ao menos para alguns de seus ramos.

Portanto, antes de se aventurar em outros mundos os (as) xamãs aprenderam a usar esse como seu campo de aprendizado.

Partindo da premissa que aqui a Eternidade já nos deu um corpo, uma condição de existir singular, a primeira coisa que nos ocupamos é em "sentir" esse corpo e aprender a "agir". Elaborar o sentir, perceber, elaborar o resultado dos atos é o pensar, que é bem mais que o mero raciocinar, que lida com combinar informações prontas e preconcebidas.

Realmente pensando, sentindo e agindo os (as) xamãs se consideram então prontos para se aventurar em outras realidades, desafiantes como essa.

Assim como o corpo físico pode ficar aqui nesta realidade, iludido com tolices e se crer em estados que não está, como livre por exemplo, o corpo de energia pode igualmente se prender.

Frente a tacanha vida desta realidade, para alguns é demais quando descobrem as possibilidades do corpo de energia.

Se para alguns os outros mundos acessíveis pelo corpo de energia, se tornam um campo de trabalho e testes, um campo de treinamento onde aprendemos a usar, onde maturamos nosso corpo energético, tanto quando maturamos nosso corpo físico neste mundo, para outros os mundos viram uma nova fonte de entrega, de inconsciência, de diluição e identificação.

A leitura das outras realidades como planos "espirituais" mais "evoluídos" e menos "evoluídos" e todo o neodarwinismo social que vem por aí é apenas uma pálida amostra de como este conhecimento foi deturpado.

Pior ainda quando colocam este mundo no qual vivemos como o "fundo do poço" , o "vale de lágrimas" de onde devemos "sair" para a "pureza" dos planos "superiores".

Reconhecendo este mundo como apenas mais um entre tantos e os tantos como apenas outros distintos desse, os (as) xamãs usam ambos, cada qual de forma específica e pragmática, no trabalho de expandir ao máximo sua consciência perceptiva.

E a realidade e amplitude de seu trabalho no aqui e agora é o mesmo que a realidade e amplitude de seu trabalho no corpo de energia.

Nuvem que passa
Data: Sex Set 15, 2000 12:01 am

terça-feira, 7 de novembro de 2023

O Trabalho, por Nuvem que Passa

Os textos a seguir foram apresentados numa série de palestras realizadas durante o ano de 1999 em alguns lugares do Brasil.

Tais palestras foram destinadas a grupos de pessoas que estavam realizando um trabalho, ainda em andamento, de pesquisa e prática sobre "Caminhos Iniciáticos" estudando tradições ancestrais diversas.

O ciclo de palestras do qual estes textos fazem parte objetivavam demonstrar que existiu num passado remoto, mais de 10.000 anos a julgar por certas pesquisas¹, uma civilização global, com um avanço ímpar, que desapareceu. 

O chamado "saber esotérico" seria a continuidade dos estudos sobre esta e outras realidades, empreendido por homens e mulheres em linhagens na maioria das vezes desconhecidas do grande público, homens e mulheres que mantiveram, em várias partes do mundo, acesa a chama em busca do autoconhecimento, em busca de respostas para perguntas tão importantes: quem eu sou, para onde vou e de onde venho.

Dentro dos paradigmas desse conhecimento existiria um núcleo da humanidade (chamado por Gurdjieff de círculo interior da humanidade) que nunca perdeu o SABER DAS IDADES, este núcleo esotérico é composto por homens e mulheres, que teriam a continuidade desse saber em suas práticas.

Muito pouco do que se fala sobre "mestres e mestras" hoje tem a ver com o que estamos falando aqui, aliás, a própria H.P. Blavatsky quando viu o que estavam fazendo com sua divulgação dos Mahatmas, dos Mestres e Mestras, declarou que preferiria nunca ter dito nada a ver tal deturpação.

Lembrando que tais homens e mulheres não são seres "desencarnados", mas mestres e mestras vivos, existindo no aqui e agora. 

Haveria uma outra esfera, de homens e mulheres que embora recebam de tempos em tempos acesso a este núcleo, não o têm por completo, ainda estão num processo de maturação, assim o conhecimento não lhes é completo, mas atuam de forma incisiva na tentativa de gerar um efeito na humanidade como um todo.

Enquadram-se também homens e mulheres que por um período de suas vidas tiveram contato com esses núcleos esotéricos, deles recebendo certas missões e depois voltando à esfera cotidiana, sendo que em alguns, como no caso do Sr. Gurdjieff, notamos que durante toda a vida há uma evidente busca de "um novo contato". 

Cremos que as religiões surgem aqui, vindas de fontes esotéricas, mas já algo imprecisas, como a linguagem humana o é, assim, na semente de toda grande religião existiriam grupos de pessoas que procuravam dar algum encaminhamento à massa humana.

Como estudaremos no decorrer deste trabalho não se trata apenas de um "encaminhamento moral" como é moda hoje acreditar, mas vai muito mais além, ritos e práticas mágicas coletivas surgiram para manter a humanidade alinhada com certos propósitos do organismo cósmico do qual fazemos parte. 

Muitos ritos e práticas mágicas, depois imitados e tidos por "ritos de adoração a Deuses e Deusas", surgiram, na realidade, como práticas de sintonização com certas energias, numa notável ação de grupos que observam e entendem a complexidade do organismo cósmico no qual estamos inseridos. 

Chegamos então no plano eXotérico, no qual o saber se manifesta e é interpretado como algo externo, hoje se tornou popular dizer que as pessoas do mundo estão no plano eXotérico, pelo rigor deste conhecimento que vamos aqui debater isto não é de todo real.

O Saber eXotérico é já algum saber, é o saber das filosofias, das ciências, da Arte e da Mística em seu aspecto manifesto. 

É alguém que ao menos começa a saber de si, portanto, como alegar que as pessoas estão no "eXoterismo" quando uma observação sincera e atenta mostra que grande parte da humanidade está alienada de si mesma?

Hora, tal saber não está acessível a todos, grande parte das pessoas do mundo contemporâneo vivem suas vidas roboticamente, bilhões de pessoas acordam, trabalham, se alimentam, jogam, assistem TV, fazem sexo e vão dormir sem nunca refletirem muito sobre o milagre da vida que realizam a cada instante, num mecanicismo total, estas pessoas não estão "vivendo", mas sobrevivendo e vão continuar assim se depender do interesse de certos grupos.

Grupos que tomam a religião e de “religare” a transformam em seu instrumento de dominação ideológica, grupos que tomam a ciência e de um instrumental de conhecimento da realidade e do progresso humano a tornam servil fornecedora de meios de destruição cada vez mais eficazes e instrumentos de controle, como nas estratégias de guerra psicológica. Grupos que fizeram dos guerreiros meros mercenários, a serviço do soldo mais alto.

Não é uma tarefa simples transformar estes temas em textos, porque no falar temos tons de voz, entonação, expressões faciais e corporais que a palavra não permite reproduzir totalmente. 

Neste ponto, talvez os poetas tenham mais sucesso em transmitir exatamente o que querem, a poesia dá uma elasticidade maior às palavras que a prosa, mas quiçá consiga algo de poesia em tais textos que seguem. 

Eles existem porque algumas pessoas tomaram várias notas durante as palestras e depois me enviaram cópias dessas notas, isto me levou a sistematizar tais notas nestes textos que também fazem parte do livro sobre Magia, Xamanismo e Bruxaria que estarei lançando em breve. 

É um convite à reflexão sobre temas diversos que inquietam a humanidade desde seu alvorecer para a consciência. 

Como verão no decorrer do texto insisto que tais reflexões não são respostas, mas um convite a melhorar a qualidade das perguntas feitas à ETERNIDADE. 

O Trabalho.


É por vezes bem arriscado tentar definir certos processos em palavras. As palavras têm limitações implícitas em sua própria constituição. Mas se nos lembrarmos disso, se compreendemos que palavras estão presas na memória e a memória é apenas o inventário de tudo o que vivemos, então, poderemos usar as palavras como ferramentas.


O Trabalho.


Quantas vezes tentamos definir o que é o trabalho sobre si mesmo? E quantas vezes deixamos de alcançar o resultado por não termos claro o que é esse si mesmo sobre o qual acreditamos poder trabalhar. Por razões como esta que todo trabalho efetivo começa com a observação de si mesmo. Sim, lembrar-se de si mesmo no inicio é isso.


Observar-se.


Meditar.


Observar como respira, onde você está.


Observar suas emoções, seus pensamentos.


Observar como eles surgem, o que os motiva.


Como é seu reagir frente às diversas situações que a vida oferece?


Observando-se a cada instante acabará criando um significado mais amplo para esse "si mesmo".  Se você não se observou nunca ou se não o fez por tempo suficiente as colocações que vêm a seguir não terão muito sentido. Este ensaio é destinado àqueles e àquelas que já caminharam um pouco na senda da auto-observação, estando assim cônscios de certas peculiaridades de nosso ser neste mundo. Este exercício é muito difícil de ser realizado pela maioria das pessoas porque elas se observam esperando algum resultado, depois de um tempo consideram que "já se observaram o bastante" e agora o que vai acontecer? "Pronto, já me observei e agora?" Essa é uma reação que ocorre muito neste tipo de exercício. Este tipo de abordagem é inútil nesse exercício. Observar-se sem julgamento e apenas observar-se, contemplar-se como é, sem analisar ou criticar.


Se você decidiu fazer um regime e ainda assim compra um doce na padaria, observe-se, sem traçar planos de regime, sem se reprovar, sem se justificar. Apenas observe-se no ato, no momento, o que sente, observe o que em você lhe leva a comer esse doce. Se alguém fuma, observe-se acendendo o cigarro, o corpo pedindo, como pede, a satisfação da fumaça, o fumar a cada momento, as reações de seu organismo. Cada momento seja ele como for. Quando estiver sem fôlego, arfante, tossindo, sinta isso, sinta seu organismo. Você vai ao banheiro, como se sente durante o que quer que vá lá fazer? Antes, durante e depois, será que percebes que já és outro durante esse processo?


Observar-se é isso (ver o texto "O começo de tudo: a auto-observação").


Um ponto que sempre me pedem é definir os objetivos do Trabalho e quais os métodos que ele usa para nesses objetivos chegar. Isto está bem de acordo com a cultura atual, envolvida em procedimentos, técnicas, etapas para se atingir algo.


Mas as metas do Trabalho não estão no mesmo plano de nossa compreensão ordinária. As reais metas do Trabalho estão além da esfera onde a mente usual opera. No nosso nível ordinário de consciência não há como compreender plenamente o Trabalho, assim toda definição, toda elaboração racional sobre o Trabalho, como esta que aqui está sendo tecida, vai ser sempre, na melhor das hipóteses, uma aproximação, um aludir, um apontar para algo que embora comece na nossa esfera do cotidiano tem como objetivo o adentrar em outras esferas da realidade. 


Quando começamos a tecer um tapete, por exemplo, sabemos qual é o resultado exato que pretendemos, assim temos que trabalhar, usar as combinações certas de cores para atingir o desenho que queremos e a usar o ponto adequado. Mas o Trabalho é como tecer um tapete com fios mágicos, fios que uma vez juntos na trama da tessitura provocarão um resultado novo e surpreendente além de toda nossa expectativa.


O Trabalho tal qual o consideramos aqui começa numa esfera, na esfera limitada e robótica na qual vivemos nossas vidas, mas nos leva a outra esfera, ao estar desperto e presente de fato (ver texto O Quarto Caminho, por P.D. Ouspensky). Embora não possa ser limitado, é possível dentro da amplitude na qual o Trabalho ocorre destacar alguns aspectos seus, para que façam sentido mesmo dentro dos limites ainda cartesianos que a mente linear opera. Mas não perca nunca isso de vista, não se esqueça: 


Falar sobre o Trabalho é apresentar um pálido esboço, chamar a atenção para alguns aspectos de um todo multifacetado e muito mais abrangente que a tosca descrição possível dentro da linguagem vulgar que usamos. O Trabalho é mais do que o açambarcado pelo falar. Aqui vale o velho aforismo:


"Se queres ver a estrela não te fixes no dedo que a aponta".


A história humana tal qual a estudamos na escola é uma tolice sem par. Alguns homens, sempre homens, indo e vindo, matando, pilhando, roubando, impondo seus caprichos sobre outros. Servos que destroem seus opressores e instalam um tipo de opressão ainda pior. Escravos que se tornam peões, que se tornam assalariados e continuam a servir. A implantação do modelo nascido e desenvolvido no mediterrâneo sobre todos os outros povos. Vimos isso como guerras de conquista, depois como "colonização" e agora o mesmo imperialismo é chamado globalização.


Mas não deixa um minuto de ser o que sempre foi.


Grupos em busca do poder, grupos que se aliam e brigam e voltam a se aliar. Grupos que dominam o poder das armas e grupos que dominam o poder religioso. Assim, matando, subjugando e convertendo os povos, vêm esses grupos se espalhando há séculos por todo o mundo e agora dominam-no completamente.


Pense que neste instante estão trabalhando em artefatos nucleares, outros tantos já prontos aguardam em silos e usinas de segurança duvidosa. Existem mentes brilhantes agora manipulando bactérias e vírus, tentando criar doenças que possam ser lançadas sobre populações específicas, doenças como armas. Contaminar o mundo e criar uma imunidade só nos grupos escolhidos.


Você é tão robotizado que nem sequer pensa nisso?


Que toda, TODA, a vida neste planeta está ameaçada completamente enquanto esses engenhos existirem?


Neste instante alguma mente brilhante foi desviada de seu curso e serve a indústria da guerra: mentes humanas pensando o meio mais letal e eficiente de matar outros seres humanos. Guerra química, guerra biológica, domínio psicológico das massas. 


Destruição.


Indústrias continuam rasgando a terra, poluindo ar e mar, esquecidos que nossos recursos naturais são finitos e a Terra é como um aquário no meio do grande espaço interestelar. Sim um aquário, a mesma limitação de um aquário. 


Pense nisso e pense com atenção, faz partes das coisas que te ensinaram a não pensar.


As árvores são organismos geradores de energia.


Cada ser árvore tem sua própria linha evolutiva e quando adultas geram um campo de energia que fortalece a vida como um todo. Árvores adultas geram energia e poderiam nos proteger de certos entes parasitas que têm muito poder sobre a humanidade há alguns milênios.


Nós somos partes da Vida.


Não tecemos a teia da vida, somos apenas um de seus fios na vasta trama. E somos afetados por tudo que fazemos à Terra.  Tudo que fazemos à Terra fazemos a nós mesmos. Mas somos escravos, embotados e tornados robôs apenas para servir. Nosso orgulho e arrogância nos mantém distantes de qualquer possibilidade de percebermos nossas limitações. Nosso medo nos mantém distante da autoconsciência. 


Não nascemos assim.


Os mecanismos sociais como a família, a escola e a religião cuidaram para que nos tornássemos assim. É nisto que hoje essas antigas instituições, que um dia já foram caminhos para a conquista da autonomia moral e intelectual, foram transformadas. Em vetores do estado sonambúlico no qual somos mantidos usando o mínimo de nossas habilidades. As criaturas mágicas que somos, os viajantes da eternidade transformados em produtores e consumidores de futilidades. A observação atenta de nós mesmos nos permite reconhecer algumas das facetas dessa condição de escravizados e assim daremos o primeiro passo para nossa liberdade.


O reconhecimento de nosso estado real. Pois a melhor forma de manter alguém prisioneiro é mantê-lo ignorante desse estado. Vale aqui um antigo conto oriental narrado por Gurdjieff.


Um homem, possuidor de muitos poderes, tinha um grande rebanho. Este rebanho era a fonte de sustento, status e poder desse homem, pois em sua sociedade pastoril o tamanho do rebanho era o sinal do poder de seu possuidor. Mas tal rebanho era também a fonte de preocupações do mesmo homem, pois os carneiros fugiam, tinha que pagar muitos empregados e muitas vezes era roubado. Certo dia teve a ideia da solução. Reuniu todas as ovelhas numa garganta. Colocou-se num lugar do qual todas podiam vê-lo e ouvi-lo. Usando seus poderes hipnóticos convenceu a todos que ele era o Deus supremo, o senhor, o bom pastor que as conduzia por pastos verdes e fartos, sombras tranquilas e água fresca. Sempre seria assim. Elas eram ovelhas e mesmo quando parecia que ele as tosquiava impiedosamente e que, ao final, quando vinha degolá-las aquilo nada mais era que a passagem ao paraíso, perderiam o pesado e pecaminoso corpo e entrariam em espírito num estado de glória, onde a grama era eternamente verde e boa, a água sempre fresca, e nenhum lobo ou leão da montanha poderia neste céu entrar. Disse-lhes que eram imortais e que não precisavam se preocupar com nada, só em comer e beber para a plenitude do pastor. Mas para isso elas deveriam estar sempre onde ele mandasse e jamais ir com outros, esses sim o mal e a perdição. Após sua prédica ele observou por alguns dias o rebanho. Ficou satisfeitíssimo com o resultado. Despediu todos os pastores, só deixando um de guarda para o caso de ladrões. Nunca mais precisou arrumar nem mesmo a cerca.


O conto dispensa comentários. Fala por si só.


Assim como as ovelhas, precisamos sair desse estado hipnótico que nos puseram para podermos ser donos de nossas próprias vidas. E só podemos começar observando-nos, atentamente. Com calma, sem predisposições, só observar-se. Para perceber que o que chamamos de "eu" é um agregado. Um conjunto de jeitos de emocionar-se e pensar que reunimos dentro de um mesmo saco e chamamos esse saco de "Eu".


Uma analogia.


Você pega peças e as reúne. Cria um carburador, caixa de marcha, tanque, motor, sistema elétrico e tudo o mais. Quando coloca a bateria e enche o tanque você pode usar esse todo para levá-lo de um lado para outro. Chama o todo de carro. É algo concreto, ali, um carro, de um certo modelo, de um certo estilo. Com o tempo você pode trocar pneus, peças, como as células estão se renovando em seu corpo. Como troca de ideias, de emoções. Mas ao final o carro acaba, bate, enferruja, e vai embora, desmontado. Sobrou algo do carro? Suas peças podem ir para outros carros, seu material pode ser fundido e reaproveitado, mas aquele carro, aquele que você, às vezes, até deu um nome para ele, com o qual viveu tantas histórias, cadê ele? Pode haver um motorista no carro, mas digamos que a maioria dos carros sejam carros de frota, cada dia um pega para dirigir. O carburador precisa de limpeza, mas o motorista da tarde não sabe que o da manhã detectou essa necessidade. E muitos motoristas dirigem esse carro. Podemos criar condições para que um dono verdadeiro surja nesse carro, mas antes temos que saber que isso é possível.


Saber que podemos ter um Eu real faz parte das coisas que nos negam fazendo acreditar que já as temos.


E o mais importante, esse Eu real, essa individualidade nada tem a ver com a abordagem segmentada, egoica e dissociada que temos hoje do termo "eu". Como o consumidor mediano se crê num mundo livre por poder escolher a marca do seu aspirador de pó e do seu remédio para a cardiopatia que o ataca. Note que aqui estamos muito distantes do espiritualismo do senso comum que acredita que há uma alma em torno da qual o ser se forma.


Estamos usando o exemplo do carro não apenas para compará-lo com o corpo, mas com os campos emocionais e mentais, com os vários componentes, os vários jeitos de ser e pensar que amarramos no mesmo fardo e chamamos "eu". Esta consciência não pode ser apenas intelectual. Não adianta você ler isso. Você precisa meditar, por muito tempo e atentamente para perceber isso.


Todas as escolas trabalham com exercícios para que essa percepção seja possível. Portanto, seguir lendo este Trabalho e o compreender indica que você já trabalhou o suficiente para compreender que o que chamamos "eu" é um agregado. Algumas escolas falam de muitos "egos", outras de muitas "personalidades" (ver o texto "A medusa interior, os eus e a auto-observação").


Personas, máscaras que usamos para nos comunicar com o mundo. Quem é esse nós que se comunica? Quem usa as máscaras? Há uma unidade, algo, alguém? Ou são só fluxos, que focados sob a lente do presente parecem ser algo, parecem ter unidade e existência própria, mas são apenas momentos num fluir constante?


Não passe apenas por essas questões, pense nelas, visualize, pare, respire e leia de novo esta página. Várias Escolas tocam nesse ponto. Percebemos o mundo à nossa volta. E quando níveis mais amplos de consciência são atingidos, algo permanece existindo. A psicologia ocidental em quase sua totalidade só se interessa pelos estados outros de consciência que não o usual quando estes são patológicos, isto é, não integrados no indivíduo. Esquizofrenia, psicoses, neuroses, este é o campo que tais escolas lidam.


Escolas como a junguiana e a transpessoal são exceções importantes, que embora de forma tímida, dão os primeiros passos no estudo dos níveis alterados de consciência nos quais ela não se fragmenta ou descompensa, mas se amplia. De uma forma primária ainda chamam tais estados de transe, muitas vezes considerando-os ocorrência fugidias, como acessos que vêm e vão.


Mas outras escolas de psicologia mais sofisticadas como a budhista compreendem que existem outros estados de consciência e podemos não apenas incidir neles mas ampliar a tal ponto nossa percepção que um novo mundo se descortina aos nossos olhos, ampliado por podermos perceber mais. Um desses estados é conhecido como o estado de Arhat. Após um trabalho disciplinado o ser passa a interagir de forma mais consciente com o meio e assim ao invés de estados ilusórios passa a perceber o mundo como ele de fato é, com seus fluxos e mutações. Costuma-se dizer que o Arhat vê a essência das coisas e não apenas a superfície.


Todo Trabalho é realizado em etapas.


Em relação a energia por exemplo, como veremos mais adiante, é importante em primeiro lugar poupar energia, pois precisamos de energia para começar o Trabalho sobre nós mesmos. Em segundo lugar, é o momento de recanalizar a energia, reconhecer que os focos nos quais a energia foi anteriormente aplicada eram determinados pelo sistema que nos criou, o qual tem seus próprios fins, bem distantes da autoconsciência e do equilíbrio.


Finalmente, em terceiro lugar, aprendemos a potencializar e ampliar nossa energia, liberando-a dos pontos onde estava bloqueada e aprendendo a ampliar ainda mais a energia que possuímos.


Veja que tal sequência não é arbitrária, mas estratégica.


Se você potencializa a energia enquanto ainda a tem focada em um nível equivocado como a ira por exemplo, vai passar a ter explosões de ira muito mais fortes, sendo ainda mais vítima do desequilíbrio.


Em Escolas estruturais vamos notar que há essa divisão. 


Essência e personalidade.


Essência a parte interna, personalidade aquilo que desenvolvemos sob influência do mundo. A essência é a parte que pode crescer, desenvolver-se e ir além. A personalidade também cresce, desenvolve-se mas não vai além. Ela é o agregado. Ela se dissolve quando o corpo se dissolve. Simultaneamente ou durando um pouco mais, mas acaba por se dissolver. Ao final da vida o corpo entra em profunda entropia e se dissolve. Isso é um fato, observável diariamente.


Mais uma vez são ideias que exigem meditação e não quero que as aceite como verdades, vamos só considerá-las como hipóteses de trabalho.


Pensemos juntos sobre uma vida. Desde o início biológico da vida (desculpe a redundância). Um óvulo e um espermatozoide se encontram. Após um período os núcleos de fundem. Cada uma daquelas células traz um material que passou por infinitas combinações até chegar ali.  Um homem, uma mulher, filhos de um homem e uma mulher, cada um deles filho de mais um casal que por sua vez... E assim vai para cada uma dessas células germinativas. Aquele material nuclear vai agora criar um novo ser.


Vindo das antigas eras aquele material veio se misturando e misturando e agora ali está. A célula-ovo vai se dividir, dividir, suas células vão se especializar, e da mesma célula-ovo teremos desde um ultra especializado neurônio até uma célula da pele, com grande poder de regeneração. Após um período de vida intrauterina nasce o ser.


Ele vai crescer e desenvolver sua habilidade de compreender o meio e de se fazer compreendido por ele. Todas as complexas fases de desenvolvimento da inteligência. Hoje sabemos que existem fases nesse desenvolvimento, onde pouco a pouco o ser vai se descentrando e aprendendo a relacionar-se com o meio. A criança limita o mundo a suas próprias relações, como um crente primitivo limita a divindade a um pai que o protege, abençoa ou castiga. A cada fase vai ampliando suas habilidades, abandonando um pensar pré-operatório e aprendendo a lidar com ideias mais complexas.


Raramente aprendemos a pensar, embora teoricamente a educação devesse nos conduzir à autonomia moral e intelectual. Nós saímos da escola dependentes da opinião de outros e raramente com nossas habilidades dedutivas, indutivas e analógicas desenvolvidas.


Vou dar um exemplo.


Uma criança na fase de alfabetização escreve /muinto/ em uma composição de texto. Via de regra o professor lê, risca em vermelho, diz que está errado e mostra que o ‘certo’ é /muito/. Assim a criança registra: "A autoridade diz que este é o certo, devo obedecer". Não há aprendizado, há apenas reforço da heteronomia.


Outra situação:


Ao invés de "corrigi-la’’ o professor deixa a criança com seu raciocínio, que não é "errado" pois ela escreveu conforme ouviu, houve um ato inteligente ali. Mas o professor pode então expor à criança a textos onde ela depare-se com /muito/ escrito na grafia vigente. Surgirá o questionamento. Nessa situação ideal, felizmente já presente em algumas poucas escolas, o professor poderá dizer:


- "Você escreveu do jeito que ouviu. Tudo bem. Mas a escrita social, aquela que as pessoas adotam e que você precisa usar para se fazer entender, nesta escrita é assim, /muito/."


Outro universo de resultados. A criança aprendeu que existe uma escrita social, que não é a CERTA mas a aceita convencionalmente por todos. Ela não reforçou sua heteronomia aceitando apenas a autoridade do professor, mas foi levada a perceber a necessidade de uma escrita convencionada para o contato em sociedade. Vai aprender sobre convenção.


A malha neural, as sinapses que se ativam nesse caso são muito mais amplas que as simples conexões "certo" e "errado" determinadas pela autoridade do professor. A maioria de nós não foi educada como no segundo caso. Portanto, tivemos reforçada a heteronomia e a crença em certos e errados absolutos. Não nos ensinaram a pensar, mas sobre o que pensar e como pensar. Nossa educação ainda foi impregnada dos mesmos valores que geraram a Inquisição e os regimes totalitários.


Portanto, antes de falarmos de transcendente temos que compreender que não atingimos nem mesmo o ápice do imanente. Temos que ter um desenvolvimento verdadeiro dessas nossas habilidades pensantes se queremos entrar em outros campos, em outros mundos e elaborá-los num todo coerente e equilibrado. Temos que nos descondicionar, ir além dos limites onde nos colocaram.


Os Xamãs consideram que não somos pensadores de fato, vivemos na periferia do pensar, ruminando alguns conceitos prontos que nos impuseram. Se queremos realmente ir a algum lugar temos que ir ao centro do pensar primeiro, compreender de fato o que é essa faculdade e o poderoso escudo que ela é para podermos enfrentar o desconhecido que nos envolve sem sucumbir a ele. Perceptualmente podemos dizer que estamos dentro deste (pequeno) círculo (do pensar).



Tudo o que percebemos está aí. Tudo com o que lidamos. Podemos chamá-lo de bolha de percepção. Existem muitos elementos dentro desta bolha. Mas nós só fomos estimulados a perceber alguns desses elementos. Chamamos a totalidade de nossa capacidade de perceber a realidade. Potencialmente, poderíamos perceber muito mais, mas estamos limitados. Vindas de fora influências das mais diversas sensibilizam o ente perceptivo no centro da esfera.


Mas a percepção acaba decodificando sempre de acordo com os itens que dispõe.


Assim um ser de outro mundo que, passa por nós em um campo, pode ser decodificado apenas como um vento estranho, uma presença que por alguma razão se faz perceptível de repente, é um vulto. Um ente das montanhas pode ser visto como um monstro, algo que nos assusta.  Um ente da terra, que muitos chamam de gnomo, vai ser visto em roupas de lenhador da Idade média, porque a percepção está presa em formas e padrões.


Decodificamos com base naquilo que temos já registrado. Apreender o mundo como xamã é apreender um novo conjunto de referenciais, os quais também estão dentro desta mesma bolha, mas nunca foram estimulados, nunca foram valorizados, por fazerem parte de outra descrição do mundo. Mas ainda aqui há um limite. Não estamos percebendo diretamente, estamos ainda decodificando. Assim podemos ver o ser de outro mundo com formas, mas ainda assim não é ele em si, é o resultado de uma interpretação.


Por esta razão os Xamãs perceberam que perceber a energia diretamente no seu estado natural, como ela flui no universo era a manobra a ser realizada para sairmos do terreno pantanoso da aparência e notar o que de fato estava em contato conosco.


Dizendo de outra forma: ao invés de usar uma forma para decodificar o que estamos percebendo, quer fosse a forma cotidiana, quer fosse a forma dos magistas, deveríamos ver diretamente a energia em sua condição original. Ir além das descrições de mundo que nos deram e perceber a energia diretamente.


Este é o longo e árduo treinamento que acredito ser o necessário para um trabalho real. Treinar ver a energia diretamente, como ela flui pelo universo. 


Meditar é o começo de tudo. 


Observar, sem interferir, observar. Tudo à sua volta. A si mesmo.


Com a prática constante você vai aprender a desgrudar a personalidade da essência.


Somos uma essência perceptiva.


Percebemos.


Entretanto percebemos algo que decodificamos.


Interagimos com algo que nos faz conscientes.


Assim há algo sendo percebido, mas o que nos aparece, a nossa consciência, não é o que é percebido, pois já foi adaptado ao nosso condicionamento social. A tradição que estou estudando em vários de seus caminhos, propõe uma linha de procedimentos para voltarmos a perceber a energia diretamente.


Em primeiro lugar abandonar a falsa dualidade corpo-mente. Há uma dualidade mas essa dualidade se expressa entre o corpo físico e o que poderíamos chamar de corpo de energia. Mente, emoções, tudo isto está dentro do campo do corpo físico. O corpo é uma vasta teia de sistemas inter-relacionados. Para os xamãs, em nossas células de todo o corpo, e não apenas no cérebro, estão todas as lembranças que temos, as emoções que sentimos.


A outra parte da dualidade seria o corpo de energia, nosso ser luminoso, que tem existência mas não massa. Podemos dizer que o corpo físico é nosso corpo orgânico e o corpo de energia é nosso corpo inorgânico. Assim como o corpo físico nasce e precisa ser alimentado e cuidado para crescer, treinado para desenvolver plenamente suas habilidades, também o corpo energético precisa dos mesmos cuidados. A diferença é que o corpo energético plenamente desenvolvido pode continuar mesmo depois da dissolução do corpo físico.


Este ponto fundamental mostra a importância que os xamãs deram a este tema. Por observação direta eles viram que a vida e a consciência estavam emaranhadas, entretanto num certo momento forças tremendas tomavam de volta algo que haviam nos dado no começo de tudo:


A consciência.


A consciência é dada a cada ser, do vírus ao ser humano, no momento da fecundação (no caso deste último) para ser enriquecida pelo ato de estar vivo. Depois, num certo momento, ela era tomada de volta. A descoberta revolucionária dos xamãs foi perceber que a energia vital não era tomada junto. Apenas estava tão enredada na consciência que acabava se desfazendo quando a consciência voltava para sua fonte.


Foi então que os xamãs descobriram algo realmente determinante. O ente perceptivo existe durante a vida por identificar-se e projetar-se na consciência. Mas pode, paulatinamente, desenvolver a consciência de si mesmo. Como diria G., todo choque é um dó em si mesmo, e todo dó contém em si uma oitava.


Assim o ente perceptivo, que reage à consciência enriquecendo-a através das experiências vividas, pode ao final ser consciente de si, abrir mão da consciência recebida da Fonte e ainda assim manter sua força vital e sua individualidade o suficiente para aceitar uma outra conscientização, vinda da mesma Fonte.


Deixaria de ser um ser orgânico, se tornaria um ser inorgânico.


Para os xamãs este seria o próximo passo evolutivo possível ao ser humano. 


Uma mutação de faixas de consciência.


A consciência humana, mesmo em seus aspectos mais poderosos e amplos, desconhecidos totalmente pelas pessoas hoje, seria abandonada e outra possibilidade de consciência seria atingida, um outro nível de realização.


Dois caminhos surgiram a partir desta percepção.


Em outro caminho o ser transmigra com sua essência perceptiva para o corpo de energia e continua existindo após a morte do corpo físico.


Mas tal manobra se revela limitada com o passar das eras.


Mas há outro caminho, muito mais ousado.


Entrar num estado de consciência plena e incendiar-se de dentro para fora.  Um caminho trilhado pelos que entenderam essa possibilidade e, assim, ao final da vida, abandonam totalmente a consciência tanto do mundo cotidiano, como de tudo aquilo que podemos chamar de transcendente, espiritual ou qualquer nome que se dê aos mundos que nos circundam, mas podem ser acessados em outros estados que temos como potenciais dentro de nós mesmos.


Devolver a consciência para a Fonte, mas juntar a fisicalidade do corpo orgânico ao corpo inorgânico.


Transferir a energia vital para o corpo de energia enquanto ela ainda está plena, íntegra.


E tomar emprestado outro tipo de consciência, assim como ganhamos essa ao nascermos.


Note que no primeiro caso a energia vital continua se dissipando junto com a morte do corpo, no segundo não.


Essa manobra permite que algo aconteça. Surge então um novo ser. Um ser que poderá continuar por bilhares de anos a viagem que é nossa vida. Como tal estado é impossível de ser descrito vamos apenas citá-lo como meta e vamos nos envolver nos meios para atingi-lo.


Para podermos vislumbrar o Infinito que nos envolve temos que ter equilíbrio. Se a bolha dentro da qual existimos se rompe de uma vez podemos nos diluir antes de termos criado um eixo real e assim ficaremos vagando por sensações indefinidas. Há um velho símbolo para o trabalho sobre nós mesmos.


Dividir a bolha.


                                

Em uma metade rearranjamos tudo o que somos enquanto entes presentes nesse mundo. Em uma metade reorganizamos nossa vida e nossa forma de lidar com o mundo, dentro de parâmetros estratégicos, focados e fortalecedores.


Mas substituímos alguns itens.


Como, por exemplo, podemos deixar de reagir a nossa importância pessoal e a nossa arrogância e ficarmos mais sensíveis ao fato de que somos mortais e efêmeros. E o outro lado da bolha fica vazio. Sem preconceitos, nada. Vazio e silencioso para a partir dele podermos vislumbrar o Infinito. Assim veremos o outro mundo como outro mundo, não apenas uma projeção do que aqui vivemos.


Não reduziremos o Infinito aos nossos limites. Você já deve ter visto aquelas gravuras de realidade virtual. As mais populares são as feitas pela "N. E. Thing Enterprises". Na maioria delas, você vê um quadro com muitas cores e formas desconexas, mas quando você envesga os olhos do jeito certo, a mágica acontece e um desenho tridimensional salta, literalmente, aos olhos.


O truque é conseguir envesgar os olhos, isto é, conseguir que cada olho veja de certa forma, separadamente, assim o efeito acontece. Para uma pessoa que não consegue ver dessa forma pode ser difícil acreditar que exista o que os outros estão falando naquela página, para ela um amontoado de cores em padrões simétricos. Alguém muito desconfiado poderia afirmar que nada do que estão dizendo existe, que é tudo uma farsa, uma armação dos que dizem estar vendo algo. Parece bobo esse raciocínio, no entanto fazemos isso vezes sem conta em nossa vida. 


Por não conseguirmos perceber o que os(as) Xamãs percebem apenas negamos. Por não termos condições de ver as outras realidades que existem simultâneas com a nossa, devido ao fato de não termos sido treinados na maneira adequada de olhar, de perceber, passamos a dizer que qualquer outra experiência que extrapola nosso limitado senso comum é falsa. Confusos e arrogantes trocamos os termos e onde deveríamos dizer:


"Não compreendo", 


dizemos: 


"Não acredito".


Outros esperam que os que vêem lhes digam o que há na gravura. Aí podem dizer que estão vendo, quando na realidade não estão. Há os que vão na última página e decoram o que deve estar em cada gravura. E há sempre os que após não conseguirem desistem e dizem que aquilo é coisa para quem não tem o que fazer.


É interessante observar as diversas reações das pessoas frente a este fato. Durante muito tempo levei livros desses para festas, na época em que ainda eram novidade e fiquei observando as reações. E notei que frente ao Trabalho as pessoas se portam de forma similar. Bem poucas têm disciplina para insistir, insistir e procurar novas formas, confessar que não conseguem, insistir de novo. Humildade para aprender. Muitos desistem, outros tentam enganar, apenas para não admitir que não entendem nada.


E se formos sinceros a primeira sensação de quem realmente se observa é a percepção de que ignora, de que desconhece, pois robôs em seu estado natural nada sabem, apenas processam dados por outros impostos. A arrogância é uma das melhores trancas que colocaram nas modernas correntes com as quais nos limitam. E a vaidade o resistente cadeado. Existem alguns temas que aceitamos sem a devida análise.


Um deles é a ideia de que os seres humanos são especiais, a parte de toda a criação, o ápice e a razão de ser do cosmos. Tal ideia nos coloca em condições bastante desfavoráveis. Sim, pois tais delírios megalomaníacos nos impedem de perceber nossa real condição e deixamos de lutar e trabalhar por coisas que poderíamos ter, como uma alma e imortalidade, por julgarmos já as possuir.


Este é o ponto no qual fica mais clara a diferença entre as Escolas ligadas ao Trabalho e aquelas que embora busquem algo maior ainda estão presas ao paradigma da época. Faz parte do paradigma desta época dotar o ser humano de uma alma imortal. Assim todos os ditos "ocultismos" e "esoterismos" da moda partem deste princípio.


E consideram que as grandes revelações esotéricas estão no falar sobre outros mundos, ou contar sobre cosmogênese, antropogênese, citando antigos textos mas sem entender a chave que transformaria a letra morta em informação viva. Ao lado da ideia de um deus antropomórfico, a imagem e semelhança do homem criado, são as ideias que mais distanciam do Trabalho.


Estes textos foram feitos para aqueles que já passaram por estas fases e de fato compreenderam que não temos uma alma imortal, mas podemos criá-la. Aliás, é este o principal Trabalho de cada escola ligada à Tradição. Fornecer os meios para que cada ser gere em si a alma para buscar a imortalidade. Para evitar quaisquer confusões religiosas preferimos adotar a designação: "Corpo de energia", principalmente pelo fato de ser exato esse termo.


É um corpo, mas de energia.


Tenho estudado com atenção e praticado algumas tradições. Taoísmo, Budhismo, a linhagem apresentada por Gurdjieff e o Xamanismo Tolteca. Em todas essas linhagens encontro as mesmas ideias. Atualmente tive acesso a taoístas que me mostraram ser o Taoismo profundo também possuidor dessas mesmas idéias. E em escolas como Teosofia e rosacrucianismo pude encontrar aspectos das mesmas ideias, mas transformadas pelo contato com as influências mecânicas do cotidiano, entretanto as ideias bases estão lá.


Eu vou usar no decorrer deste trabalho a terminologia de duas escolas. A escola Gurdjeffiana e a Escola Tolteca.


Sou, entretanto, consciente que tais escolas, especialmente a Gurdjieffiana já foi muito deturpada e mecanizada, pois era um trabalho para um tempo-espaço específico. Mas certas idéias que ela traz são válidas ainda hoje (e ainda hoje podem se encontrar grupos sérios ligados ao Trabalho de G.).


Assim ficará mais claro esse trabalho aos que já estudam tais caminhos, embora os termos usados possam ser compreendidos por outros estudiosos também. Este não é um trabalho de introdução, volto a repetir. É dedicado àqueles que tenham estudado e, o mais importante, praticado tais caminhos por algum tempo. Nada substitui a experiência. O viver. É uma exposição sobre as impressões que tive ao trilhar tais caminhos. Não é também achismo, é um relato de viagem, daquilo que na minha jornada percebi. Uma jornada na qual ainda me encontro, a cada inspirar e expirar e no espaço entre.


O começo de todo o Trabalho é através da auto-observação. A partir da observação de si mesmo, aquele que estuda começa a perceber que o mundo tal qual o vemos é fruto de uma descrição da realidade, com a qual concordamos, sem nunca perceber profundamente as implicações profundas dessa concordância. É um passo fundamental compreender que o mundo tal qual o conhecemos não é a realidade final, mas uma descrição que nos foi dada e com a qual concordamos. Vivemos a cumprir compromissos com os quais nada temos a ver, resgatamos acordos feitos por outros.


Segundo os Xamãs nosso centro energético responsável pela nossa capacidade de tomar decisões (o chamado ponto V da Tensegridade) foi enfraquecido e assim, como não temos energia para tomar decisões criamos os organismos sociais, as instituições, que decidem tudo por nós. Aquele que se liga ao Trabalho vai em primeiro lugar recuperar sua capacidade de fazer.


Este é outro ponto polêmico.


O fato de que no estado natural não somos capazes de fazer, que tudo acontece em nossas vidas, é rejeitado com tal veemência que em tal rejeição mostra, a meu ver, a verdade neste argumento. Mais uma vez só a observação apurada de si poderá demonstrar que durante nossa vida as coisas acontecem, raramente agimos, raramente fazemos.


Reagir não é agir.


Estar presente no aqui e agora é a condição básica para agir. E quanto do dia estamos realmente presentes? Faça o teste. Observe-se. Você está aqui e agora, lendo este texto. Qual sua postura, onde está sua mente, o que sente? A ilusão da mente é apontada em muitas escolas como o Zen, onde há um célebre diálogo no qual o aprendiz vai ao mestre e diz:


"Mestre me ajude a acalmar minha mente".

O mestre responde: "Ache sua mente e a traga aqui para mim que a apaziguarei".

"Mestre, não acho minha mente." 

O mestre sorri: "Viu, já a apaziguei".


Como está sua respiração? 

Não tente controlá-la só senti-la.

Que sons chegam aos seus ouvidos?

Quais suas percepções táteis, olfativas, gustativas?


O ramo zen do budismo tem exercícios interessantes onde em atos simples, como cuidar de um jardim ou limpar uma casa, cada mínimo momento, cada gesto, é um exercício da presença. É este o exercício, sair do pântano das divagações e voltar a focar-se aqui e agora, onde de fato estamos.


Se você começar a praticar tais exercícios de estar aqui e agora, perceberá que consegue manter por alguns instantes sua atenção no momento e em si, mas depois de alguns instantes você divaga e se dilui.


Não há um momento mais importante do que outro. Cada instante é pleno de significação. Fomos alimentados de um vício, o que buscamos está sempre no futuro, um dia vai chegar e perdemos nessa ilusão a única realidade: O tempo presente. O aqui e agora!


Como já disse parto do princípio que você seja já um(a) praticante desses exercícios, assim notado terá que por vezes durante um dia todo temos minutos de presença e a maior parte do tempo passamos diluídos. E aqui temos um critério válido para avaliar nosso progresso no Trabalho. Quanto mais tempo estamos aqui e agora, presentes, mais estamos de fato sendo e não apenas existindo.


E o trabalho é o trabalho sobre o Ser.


O Ser é dinâmico.


Uma das coisas que nos impede de descobrirmos nosso ser verdadeiro é nossa história pessoal. Um conjunto de lembranças que possuímos somadas a imagem que o meio nos levou a construir de nós mesmos. Existe um filme no qual um agente de uma organização sabe muito sobre a mesma, mas quer se afastar. Assim fazem uma lavagem cerebral nele, levam-no a esquecer todo seu passado, "implantam" uma nova história para sua vida e o mandam para outro lugar onde ele vive feliz e mais ou menos tranqüilo com as "memórias" nele implantadas. Vale pensar sobre isso. Me parece uma analogia terrível para nossas vidas.


O caminho dos xamãs Toltecas apresenta uma forma de lidar com o Trabalho que considero genial. Há três tarefas básicas aqui para poder lidar com a história pessoal e diminuir seu poder sobre nós.


A primeira delas é ter a morte como conselheira. Enquanto nos considerarmos seres imortais não saberemos transformar nosso tempo aqui em poder. Um ser imortal tem todo o tempo do mundo. Não precisa se esforçar, não precisa trabalhar arduamente. Fará em outra vida aquilo que não fizer agora. Assim só a ideia de que a morte é nossa companheira de estrada e que a qualquer instante pode nos tocar e acabar com tudo dá aos nossos atos o poder que faz de nosso viver um tempo mágico. Esse conceito vai totalmente contra os modernos conceitos "new age" que afirmam ser a morte apenas uma passagem, um trocar de roupas, como um mergulho num lago frio e depois tudo continua.  Isso pode levar a uma vulgarização do instante. Cada instante é único e conta muito.


O segundo procedimento é perder a importância pessoal e aqui temos um dos maiores desafios para nós contemporâneos, estimulados a ser arrogantes e prepotentes como forma de se defender e se colocar no jogo social. É um grande momento quando se percebe que a importância pessoal é a autopiedade disfarçada. Sim, só a pena de si mesmo levaria o ser humano a criar a imagem de importância que tem sobre si, para se defender do nada que sabe ser frente ao Todo.


Assumir a responsabilidade pelos atos é o terceiro ponto. Quando assumimos que estamos sós neste vasto mundo e que podemos morrer a qualquer instante, não há tempo para hesitações. Nos tornamos donos de nossas decisões e esse é o poder que de fato temos. Quando tomamos uma decisão ela tem que ser final. Cada momento é resolvido em si mesmo.  Isto leva a um desdobramento interessante. 


Fomos criados para agir em busca de alguma recompensa. Isto gera dependência de recompensas. Quando percebemos que podemos acabar a qualquer instante, um novo estado de ser pode surgir. 


Agir por agir, atuar sem esperar recompensas além do próprio prazer de agir é uma nova forma de encarar as situações que gera uma nova energia a quem assim procede. Todas essas linhas de ação não são princípios, regras ou comportamentos ditados por razões morais.


São comportamentos estratégicos que permitem a percepção se libertar das amarras do senso comum da época, economizar e recanalizar a energia que antes estava sendo utilizada para manter o estado de consciência padrão da civilização dominante.


Lembrar-se de si mesmo e não identificar-se, dizem os adeptos do 4º Caminho. Estar no mundo mas não ser dele, dizem os Sufis. Só na prática é possível entender tais conceitos, só na prática cotidiana, constante e árdua eles se mostram em todo seu valor, abrindo novas reservas de energia aos que assim procedem. E é tal energia que vai permitir ao Trabalho ter sequência. Pois este é outro ponto fundamental.


Somos a energia que temos, e só podemos realizar se temos energia para isto.


E como a energia está inicialmente diluída em nossos condicionamentos e limitações só trabalhando os nossos estilos de agir, sentir e pensar libertando-os de seus desequilíbrios poderemos ter energia para ativar outros níveis de percepção que nos permitam ter acesso ao Trabalho.


E só começando pela auto-observação podemos detectar tais drenos de energia.


Existe uma frase colocada por G. que choca os incautos e tenho certeza será um segundo filtro neste nosso tratado, afastando definitivamente dele aqueles de ‘estômago’ mais fraco: "O verdadeiro trabalho é contra Deus".


Como já disse, anteriormente, que este estudo é para aqueles(as) que já estão avançados em seus estudos, então, vamos nos aprofundar nessa colocação. A Natureza trouxe o ser humano até este ponto e aqui o mantém pois é nesse estado que o ser humano serve aos propósitos naturais. O ser humano, tal qual toda a vida orgânica, tem um papel a desempenhar no esquema da natureza e assim sendo nosso organismo foi desenvolvido até o ponto em que possa tal mister realizar.


Deus²


Este termo tem um peso enorme em nossa cultura. Em nome de deus todo ditador diz estar agindo e pede sua benção e proteção antes de se lançar ao extermínio de milhões. Em nome de deus personalidades admiráveis de nossa história realizaram obras de grande alcance no minimizar os problemas humanos. Assim o termo deus é usado indistintamente para justificar desde os atos mais sublimes até as mais profundas atrocidades. Num estudo sério, olhando para nossa história conhecida de forma consciente perceberemos que mais atrocidades foram cometidas em nome de deus que em nome do diabo.


Para as escolas que estamos estudando a crença em um deus antropomórfico, criado à imagem e semelhança do homem, um pai, um pastor é uma questão muito séria. Sim, pois muitos colocam sua energia pessoal e única neste conceito vazio. Quando você é criança tem sempre um adulto por perto, sempre alguém que vai lhe socorrer em caso de necessidade, ou mesmo que seu choro ou grito seja apenas manha. Assim criamos a ideia que sempre alguém vem nos salvar.


Quando crescemos, descobrimos que nem sempre há alguém ao nosso lado para nos salvar, para nos socorrer. E então surge uma carência enorme, um vazio que na maioria das vezes é suprido com o "papai do céu", com o "mestre", com o "partido", enfim, sempre arrumamos alguma coisa para colocar nesse papel de nosso salvador.


É muito difícil que alguém naturalmente assuma sua condição de ser solitário sem buscar tais muletas. Diariamente as pessoas são confrontadas com as falácias de suas crenças, momentos nos quais fica evidente que estão sós e que não há este ente protetor. Ônibus de crentes voltando de seus cultos, cantando "ungidos" com o espírito de deus e que desabam numa ribanceira ou batem matando a maioria dos que ali estão. Assim, incapazes de lidar com tais evidências criou-se a ideia de que deus testa seus fiéis. Os faz sofrer miseravelmente, mas depois recompensa os que servilmente tudo aceitaram, com um céu de eterna beatitude. Note que a crença num paraíso posterior, numa recompensa em outro mundo é um dos aspectos chaves da maioria dos cultos a deus. Frente as incongruências que a realidade apresenta, frente ao fato de que muitas vezes o incontrolável da existência é muito mais evidente que as pretensas crenças num deus onipresente atuando a favor dos "eleitos", é importante a ideia de que a verdadeira recompensa está além, noutros mundos, obviamente não investigáveis. Repare que uma das grandes forças para tal idéia de deus vem de sua "palavra viva". E o que é essa palavra viva de deus, algum lugar misterioso onde essa presença se faz ouvir por todos que ali cheguem, sem nenhum veículo? Não, um livro, um livro escrito por seres humanos e usado por muitos impérios no decorrer da história para justificar seu próprio poder .


Este tema é muito amplo e exige uma profunda capacidade de reavaliar o que nos obrigaram a aceitar. O coloco aqui como "teste iniciático". Quem não entender que estamos indo contra o conceito usual e não contra a noção de algo transcendente que permeia a existência vai ficar chocado e se retirar.

 

É um tema muito delicado pois está sedimentado em camadas profundas de nossa psique e choca profundamente quando abordado pela primeira vez. Mesmo aqueles capazes de investigar com clareza muitos campos se sentem algo temerosos ao adentrar tal campo de questionamento. Por isso nos dedicaremos nesse capítulo a um estudo desta questão, nada que represente uma opinião final, mas pistas através das quais poderá você que pensa permitir-se avaliar este que é um dos paradigmas básicos da cultura contemporânea.


Blavatsky quando explicava o termo Teosofia sempre insistia que o "Teo " ao qual ela se referia não era um ser, uma entidade antropomórfica, que criou o céu e a terra, descansou no sétimo dia e depois ficou alcoviteiramente a vigiar e a julgar os seres humanos, servindo de avalista aos despropósitos, daqueles que se auto-intitulavam seus legítimos representantes, realizados em nome de deus. A Inquisição, Hitler e tantos outros sempre agiram em nome de deus. Mas quando entramos nas chamadas linhas espiritualistas o que dizem? Deus é amor. Deus é um princípio , uma energia que criou o céu e a terra e tudo que neles há. Esse papel criador é também questionado. Aliás, a própria Blavatsky chama atenção para isto. Ela liga o "Teos" a Tein, movimento, manifestação.


Aos estudiosos fica claro que o próprio termo usado pelos maçons: "Arquiteto do Universo" indica que tal força arquiteta, mas quem cria são outras hierarquias. No plano que estamos estudando é interessante notar que existe uma diferença entre os que creem num deus criador e a abordagem de muitos ramos que falam da existência  emanar da não existência. É muito importante entender esta questão. É totalmente diferente falar de uma entidade que cria um mundo e de uma força, uma presença da qual o mundo emana.


Um conceito antropomórfico de deus, como os dos povos simples do Egito ou da Babilônia, que acreditavam que as estátuas, expressando princípios cósmicos, símbolos sofisticados para os iniciados nos mistérios, eram elas em si a imagem de deuses e deusas os quais iriam por eles interceder. Algo similar seria pegar um livro de receita de bolo, ficar a lê-lo sem conseguir os ingredientes, sem executar o ato de preparar o bolo, ficar apenas falando sobre e acreditar que no final o bolo vai surgir. Todos os livros sagrados eram manuais onde os iniciados deixaram seu conhecimento expresso em símbolos, mas traduzidos apenas na letra que mata perderam o espírito. Em muitas cosmogonias é representado o Todo por um dragão que em certo momento bota um ovo e desse ovo surge o mundo.


Note você que está acompanhando com atenção ao aqui exposto que não estamos caindo na negação de algo mais amplo, algo maior, um inefável poder. Estamos questionando esse deus antropomórfico criado à imagem e semelhança do ser humano, com suas limitações e medos, sua agressividade e falhas. É interessante notar que para a maioria das pessoas cultas e informadas o monoteísmo é uma evolução nobre do pensamento humano.


Os "pobres e ignorantes" primitivos viam a divindade em tudo, em toda parte e a identificavam de acordo com sua manifestação, na chuva, no trovão, na terra ou nas montanhas, viam eles aspectos da divindade, do todo.


Então vem o monoteísmo e diz que só existe um deus, um antropomórfico deus que é externo a tudo, que dirige o mundo de fora, que exige adoração, que castiga, que pune, que tem uma vontade curiosamente conivente com os poderosos de plantão. A Natureza é criação, não mais parte “dele”, e nós somos criaturas, logo não mais parte direta. Assim a exploração do mundo e de um ser humano pelo outro se torna justificável. Haverá um paraíso nos esperando, continuem a destruir o mundo, é essa a última consequência da ética protestante que impulsiona o capitalismo. E o mundo cada vez mais à beira da destruição. E isto é considerado evolução. 


À medida que compreendermos os jogos de poder nos quais os poderosos estão envolvidos fica também mais claro o papel desse deus antropomórfico. E, então, compreendemos que o Trabalho é libertar-se. Tornar-se, de fato, capaz de agir e não apenas reagir impulsionado, impulsionada, por esta pilha de programações atávicas que recebemos. E para começar esta vasta jornada a observação de si, no cotidiano, a cada instante é o caminho recomendado. Perceber-se a cada momento, para descobrirmos quem de fato somos e onde estamos e, então, sobre estas bases reais começar o Trabalho.


Notas


¹ Ver, por exemplo, o trabalho do Dr. Sam Osmanagich, pesquisador bósnio, especializado em pirâmides, estruturas que estão espalhadas por todo o planeta, fator indicador de uma sociedade global, algumas delas com mais de 10 mil anos, construídas com uma tecnologia impensável para aquela época dentro dos paradigmas da ciência acadêmica atual. Um dos achados arqueológicos importantes do Dr, Sam Osmanagich é a pirâmide do sol na Bósnia: https://www.youtube.com/watch?v=oHAUQSuSBIc&t=8s


² No livro Fogo Interior, no capítulo relativo ao Molde do Homem, vemos uma abordagem interessante de Don Juan sobre a palavra deus: “Afinal, nós seres humanos somos na realidade bem pouco; somos, em essência, um ponto de aglutinação fixo em certa posição. Nosso inimigo e ao mesmo tempo nosso amigo é nosso diálogo interno, nosso inventário. Seja um guerreiro; desligue seu diálogo interno; faça seu inventário e depois atire-o fora. Os novos videntes fazem apurados inventários e depois riem deles. Sem o inventário, o ponto de aglutinação torna-se livre. Dom Juan lembrou-me de que havia falado bastante sobre um dos aspectos mais inflexíveis de nosso inventário: nossa ideia de Deus. Esse aspecto, disse, é como uma cola poderosa que prende o ponto de aglutinação à sua posição original. Se eu pretendesse aglutinar outro mundo verdadeiro com outra grande faixa de emanações, tinha de dar um passo obrigatório a fim de afrouxar todos os laços do meu ponto de aglutinação.






Sagrado Feminino: Kali.

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